Crônica do Meu Amigo Antonio

Segue abaixo uma crônica, escrita por um amigo meu. O seu talento, aliado à mais fina sensibilidade, faz da palavra um instrumento soberbo da canção que o meu amigo entoa com toda sua alma transbordando de amor e compaixão, me fazendo corar de vergonha das minhas tentativas de ombrear com colegas deste Recanto...

Espero que vocês apreciem a sua crônica. E façam uma visita ao seu blog, vale a pena! O link é http://www.cafeimpresso.com.br/

A rua enfeitada

A rua começou finalmente a ser enfeitada. Flamenguistas, vascaínos, botafoguenses e tricolores; cariocas, mineiros e nordestinos; homens e mulheres; jovens e adultos; moradores, empregados e comerciantes; brancos, mulatos, negros e amarelos: todos se juntaram para expressarem sua esperança, sua fé pagã na seleção brasileira. Cada um faz a sua parte. Uns entram com dinheiro, outros com trabalho. Outros trazem só um sorriso de aprovação ou uma palavra de ânimo. É o que basta. A rua vai ficando linda.

Há uns dias, quem olhava talvez até pensasse que a rua se deixara contaminar de uma confiança tão arrogante que nem sequer pensava em se preparar para a Copa, certa já da vitória. Mas não era verdade. Secretamente, uma pequena indústria baseada em muita disposição e altruísmo já começara a funcionar. E então, uma noite dessas, como num passe de mágica, a rua começou a ser preenchida de um novo céu verde-amarelo quase ao alcance das mãos. E agora já está praticamente toda tomada por longos fios de nylon de onde pendem tremeluzentes tirinhas verde-amarelas. Só uma dúvida me abala: que nome dar a elas? Ouvi chamá-las de rabiolas, em alusão à cauda que enfeita as pipas. Mas, afora serem feitas de tiras, nada mais as assemelha. Na verdade, os enfeites mais parecem bandeirinhas de festa junina. E, de fato, a rua está mesmo linda, tão singela como um arraial de São João.

Alguns até lamentaram que a rua não tivesse sido inscrita no concurso que premiará a mais bem enfeitada. Eu, do alto do preguiçoso idealismo de quem apenas contribuiu com dez reais para a realização da festa, discordo. Acho que é mais bonito que tudo se embale na gratuidade do gesto, sem aspirar à "injustiça dos prêmios". Toda nossa nobreza está aí, nesse sentimento fraterno que nos une a todos e que também não tem um nome. Pois, como chamar essa vontade tão ardente e modesta de ser de novo campeão do mundo? Modesta, sim. Modestíssima. Porque, em nome dessa vontade, temporariamente foram adiados todos os anseios individuais ou grupais. Todos abriram mão da cura, da fortuna, do amor e do sucesso em nome desse desejo coletivo de trazer de novo o signo provisório de nossa incontestável realeza. Então, que nome dar a esse sentimento tão singelo quanto um arraial de São João ou uma rua enfeitada de bandeirolas?

A política, a paixão clubista, as visões de mundo podem nos separar até o limite do inconciliável, mas quando se trata de torcer pelo Brasil na Copa somos todos uma única tribo. E é bom que seja assim. Somos a maior unidade lingüística que já existiu na face da Terra e mais de dois terços de nossa população tem menos de 45 anos. Somos um país de gente muito jovem, onde raças e idéias se misturam e se depuram. E como jovens, crescemos com alegria e vigor desordenados. É até natural que a gente se estranhe de vez em quando. Por isso, é bom que o futebol nos ofereça essa intensa experiência de unidade solidária. Porque às vezes é muito difícil acreditar nessa coisa quase abstrata chamada nação. Nessas horas, a lembrança dessas ruas enfeitadas pelo gratuito esforço de todos será o chão de nossas melhores esperanças.

- Por: ANTONIO CAETANO -

Clary
Enviado por Clary em 05/06/2006
Reeditado em 05/06/2006
Código do texto: T169889