Epitáfio

Eu sempre quis escrever. Cobicei todos aqueles que, famosos, faziam da escrita seu destino. Ah, que vida! Passar o dia escrevendo ao som de Pagey, Jonesy, Bonzo, Percy... Passar o dia inventando coisas ao som de coisas inventadas... Passar o dia! E, pelo simples fato de colocar no papel as insanidades que trafegam na mente, levar a vida confortavelmente.

Escritor bom é escritor morto, esse é o grande problema. A primeira grande frase de alguém é seu epitáfio, isso é que me aflige. Enquanto isso, faço da minha boca um túmulo, e dos meus textos, minha lápide.

Pudera eu ser famoso: não pelo dinheiro ou pelo reconhecimento, mas pela influência (não minha influência nos outros, mas a dos outros em mim). Ideias, inspirações, isso é que move todo e qualquer artista, em seu afã ansiado pela produção (criação).

A grande ironia é que, uma vez conhecido, e pela crítica apontado como “degustável” (a crítica adora palavras metafóricas e sinestésicas), o escritor passa a ser bom em tudo. Houve até quem disse ser Machado de Assis bom contista. Ora, por favor, leia três contos seus, ou três crônicas suas e me diga se é boa coisa. Teve quem disse ser Bilac bom romancista: piada de se ler em revista. Só falta dizerem que Gregório era educado! Aí eu não aturo e largo de vez a literatura, que para muitos – os desconhecidos – é sempre tão dura, implacável e indigesta. Não que não exista alguém bom em tudo o que faz, mas generalizações sempre foram e sempre serão a outra face da moeda do imediatismo, impensado e irresponsável.

Não sou famoso, não influencio e não sofro influência. Sou neutro, e neutro morrerei. “Aqui jaz um eterno desconhecido”, serão meus dizeres (ou melhor, meus “escreveres”) derradeiros. E, um dia quem sabe, alguém os leia e deles goste. E conte para um amigo, que tem um amigo que tem um tio que trabalha com um colunista, o preferido do dono da revista. E meu nome chegará aos seus ouvidos, e a outros tantos, e será publicado, e criticado, e idolatrado. Por tantos anos, até que um dia eu serei novamente esquecido: o eterno desconhecido. Em meu auge, serei bom poeta, bom músico e bom cronista, arrojado romancista e contista de escol. Em minha decadência, serei apenas mais um, dentre tantos que tentaram em vão fugir do anonimato.

Mas, pelo menos, disso nada saberei. Estarei calado, neutro, morto: eternamente desconhecido.

Fernando em Pessoa
Enviado por Fernando em Pessoa em 17/07/2009
Código do texto: T1704635
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