UM TORCEDOR DE CORPO E ALMA

Pequeno comerciante de Planaltina, Seu Bulu tinha duas grandes paixões: o seu comércio e o Futebol.

Ele costumava abrir as portas da sua mercearia todos os dias da semana, das oito horas da manhã às oito da noite. Espere aí!... há uma correção a ser feita: todos os dias, exceto quando tinha jogo do Planaltina Esporte Clube no Adonir Guimarães. Somente o time do coração o faria fechar as portas do comércio antes do horário costumeiro.

Quando os portões do estádio se abriam, lá estava ele à espera do escrete alvi-rubro, o Galo planaltinense, ou simplesmente PEC. Para ele pouco importava as denominações, pois o que o satisfazia era poder prestigiar os “meninos” (era como ele chamava os jogadores do Planaltina Esporte Clube) em campo; poder vibrar com as jogadas dos seus craques; poder gritar com o gol.

No entanto, Seu Bulu era um torcedor solitário em um canto isolado do estádio, pois quem se atrevesse a sentar-se próximo dele, não conseguiria assistir a um lance sequer, pois o nosso torcedor era muito inquieto: a cada lance de perigo, contra ou a favor do PEC, ele corria de um lado ao outro da arquibancada aos berros de “vai... vai!..., volta... volta!...”

Até que os outros torcedores conhecessem a fama do Seu Bulu, muitos foram os princípios de confusão nas arquibancadas, pois eram frequentes e inconscientes os chutes desferidos contra as pessoas próximas dele na hora das jogadas perigosas. A cada lance de perigo, aos chutes ele gritava: “Chuta... chuta!... Tira daí!”

Era como se os seus chutes pudessem evitar os lances de perigo ou ajudar o seu time a fazer gols, mas o que ele conseguia mesmo era irritar os seus circundantes com os pontapés que lhes deferia.

Certa vez, numa manhã ensolarada de domingo, em comemoração ao aniversário da cidade, jogavam Planaltina e Goiás. Entrada franca. Estádio lotado...

Faltavam cerca de vinte minutos para o término da partida, os adversários aplicavam uma humilhante goleada de 7 a 0 no time da casa. Nosso torcedor símbolo permanecia sentado (cena rara de se ver) com os cotovelos sobre os joelhos e as mãos fechadas sob o queixo; olhos umedecidos pela tristeza e atentos ao show de bola que os goianos davam em seus “meninos”. Eis que de repente surge um lampejo de alegria em Seu Bulu que, aos pulos, solitariamente gritava: gol... gol... goool!... Era o primeiro gol do Planaltina.

Coincidência ou não, os gritos daquele solitário torcedor parecia ter dado novo ânimo aos jogadores planaltineneses, pois pouco menos de três minutos depois o Planaltina faria mais um gol, e ele - nosso eufórico torcedor - não cabendo em si de tanta alegria, desceu das arquibancadas, encostou-se no alambrado e começou a correr de um lado para o outro aos gritos de “vamu empatá... vamu empatá!...”

Enquanto a arquibancada em peso caía na gargalhada por conta do otimismo exagerado daquele “maluco”, os jogadores em campo, incentivados pelo seu mascote, pareciam acreditar na possibilidade de empatarem a peleja, pois começaram a correr mais, a dividir mais, a acreditar mais nas jogadas. Para eles não tinha bola perdida; para eles, o jogo parecia estar começando.

À medida que os “meninos” do Seu Bulu chegavam próximo à grande área do adversário, ele ia à loucura e àquela altura, já quase sem voz, gritava: “vai que dá, vai que dá!” De repente um contra-ataque do adversário leva o Seu Bulu ao desespero – “Olha a retaguarda, olha a retaguarda!” – e ao desalento final – “Eu avisei, eu avisei!” -. Era o oitavo gol do Goiás, que caiu como um balde de água fria naquele torcedor que tanto gritara, tanto incentivara e tanto sofrera por quase noventa minutos, e nos “meninos” que, a menos de quatro minutos do final da partida, nada mais poderiam fazer, a não ser tentarem evitar o nono gol dos visitantes e esperarem o apito final do árbitro.

Naquele instante, o já desanimado torcedor vira-se para a arquibancada e percebe que está só, todos os outros torcedores já haviam se retirado... Presentes apenas a torcida adversária e eu.

O árbitro pede a bola e soa o apito final; os jogadores planaltinenses dão-se as mãos e dirigem-se ao alambrado para agradecerem e reverenciarem o incentivo solitário, mas valioso, do Seu Bulu. Os jogadores o aplaudiam enquanto ele retribuía os aplausos.

Anos mais tarde o Planaltina Esporte Clube deixaria de existir, e no silêncio do estádio vazio e fechado, sob a escuridão dos refletores apagados, ecoam os gritos do Seu Bulu enquanto os deuses do futebol choram de saudades daquele que fez história na história dos torcedores mais fiéis do “Planeta Bola”.

Joésio Menezes
Enviado por Joésio Menezes em 20/07/2009
Código do texto: T1709348
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