Os netos de D. Jaci

De sua janela, enxergava Dona Jaci, a sua vizinha, uma viúva bonitona e “ajeitada”, que chamava a atenção de todos do bairro, por sua beleza e principalmente pelos seus gritos, dirigidos aos netos, os meninos João Atos, Mateus Gálatas e Guilherme Filemom, que apesar dos nomes bíblicos, recebidos pelos pais em homenagem ao livro sagrado, eram verdadeiros capetas, e mais do que enxergar, escutava todos os dias a encarregada desta turma gritar:

- “Pára Atos, pára Gálatas, pára Filemom”

Lembrava-se bem de quando o primeiro nasceu, há nove anos (filho da filha mais velha), os avós fizeram a maior festa dando as boas vindas ao querido neto, o que já não aconteceu da mesma forma ao vir o segundo e o terceiro (pelo menos foi desta maneira que percebeu de sua casa), o problema é que assim como o primeiro os outros dois, posteriormente, sobraram para a avó cuidar, que com os “seus” filhos criados (quatro) não queria mais se preocupar com crianças, mas apenas curtir a tranquilidade e o seu merecido descanso. Não achava justo voltar a cuidar de crianças naquela idade e sempre que se encontravam na rua, no supermercado ou qualquer outro estabelecimento, acompanhada de pelo menos um deles, entre uma conversa e outra, um grito com o seu neto e uns beliscões vinha a sua indignação:

- “É, no meu tempo eram as mães que cuidavam dos filhos, nunca deixei nenhum dos quatro com todas as dificuldades que meu marido e eu passamos, com os meus pais ou com os pais dele, sinceramente não imagino a minha velhice desse jeito”.

- “Você tem razão D. Jaci, minha esposa, que Deus a tenha, e eu criamos os três sem dar trabalho aos meus pais e aos pais dela, enquanto eu trabalhava, a minha senhora cuidava deles”.

Sem muito tempo para continuar a conversa, D. Jaci despedia-se e prosseguia fazendo as compras pelo supermercado, com certa pressa, pois os outros dois tinham ficado em casa sozinhos e sabia muito bem o que poderia acontecer se ficasse fora de casa por um minuto a mais. Que se lembre, os três quase colocaram fogo na casa e só não foi maior o desastre porque, os vizinhos e ele, conseguiram apagar as chamas rapidamente, apanharam igual “gente grande” mesmo contrariando a filha, sempre conivente com a situação, que logo no nascimento do terceiro filho foi largada pelo seu “macho”(era assim que D. Jaci se referia ao seu genro), a filha d p... dessa menina (desculpe a sua revolta), é que essa merd... desta garota, depois dos dezessete começou a atrapalhar a vida da mãe com a sua rebeldia sem causa, e assim como todas as outras MULHERES QUE GOSTAM DE DIZER QUE SÃO IN“DEPENDENTES” e acham que as mães são empregadas e que não fazem mais que a obrigação em cuidar dos netos enquanto trabalham e se divertem, também não admitia que falassem mal do seus três filhos.

E olha que por ser contemporâneo de D. Jaci e terem sempre morado no mesmo bairro, acompanhou bem de perto a educação dos seus quatro filhos que brincavam com os seus pelas ruas do bairro, junto com outras crianças, e que não media esforços para educá-los, já que o seu marido, o saudoso Seu José, trabalhava o dia inteiro para trazer alimento e roupas para ela e os seus quatro filhos e não admitia em hipótese alguma mal criação com a mãe, que hoje fica pensando se ele ainda estivesse vivo (faleceu um pouco depois do nascimento do primeiro neto) qual seria a sua reação diante da filha e dos netos, bravo como era (se lembra bem das surras que dava nos filhos) provavelmente teria um infarto fulminante. O engraçado é que apesar da mesma educação os outros três seguiam as suas vidas numa boa trabalhando, namorando e construindo suas casinhas para morarem após o casamento, enquanto a p... só dava (em todos os sentidos) trabalho para a mãe.

O problema é que conforme ficavam mais velhos, menos obedeciam à avó, que a cada dia mostrava cansaço, tanto fisicamente quanto emocionalmente, e menos vinham a sua mãe que sumia por dois ou três dias, tanto Atos, Gálatas e Filemom começavam a enveredar-se por caminhos obscuros, pelo bairro boatos corriam sobre pequenos furtos, D. Jaci desesperada pedia a Deus forças necessárias para não deixá-los entrar na bandidagem. Por diversas vezes, flagrou da sua janela, ela chorando e respeitosamente ia ao seu encontro para confortá-la e entre um choro e algumas palavras, D. Jaci ficava se perguntando o que ela teria feito de errado na educação daqueles três jovens:

- “Vizinho o senhor sabe do que estou falando!!! Você já me conhece há muito tempo, nossos filhos foram criados juntos, não consigo entender aonde que eu estou errando!!!”

Por algum tempo ficou em silêncio e respondeu a ela:

- “Faz algum tempo, principalmente após o nascimento do terceiro neto, que observo a sua solitária luta diária para educá-los, o problema pode ter certeza não é a senhora, deixe que o mundo irá ensiná-los”.

- “Meu vizinho, por mais que os meus netos não mereçam os meus cuidados, não posso largá-los, ainda tenho fé que se consertarão”.

No entanto a cada dia os três aprontavam mais, deixando D. Jaci em pânico. Precisando se mudar para outro município deixou de ver e ouvir o desespero daquela senhora e de vez em quando, para matar a saudade, debruçava-se sobre a janela de sua nova moradia e por horas ficava imaginando o que estaria se passando com aquela mulher e os três rapazes, e passado um bom tempo enquanto ouvia de sua cozinha o telejornal, preparando a janta, escutou o nome de sua antiga cidade e assustado não acreditou quando identificou a sua antiga vizinha, D. Jaci, chorando na frente das câmeras inconformada com a morte dos seus três netos, João Atos, Mateus Gálatas e Guilherme Filemom, que morreram em troca de tiros com a polícia depois de um assalto a banco mal sucedido, deixando finalmente a avó em PAZ e com o seu merecido descanso.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 22/07/2009
Código do texto: T1712497
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