Saideira
 
 
Buscando inspiração para escrever sobre o último tema proposto pelo grupo de desafio, EC(Exercícios Criativos), entrei no Google e aí descobri uma coisa interessante: que mulheres não pedem a saideira, pedem a conta que é paga após somas e divisões utilizando calculadoras de bolsa, centavo por centavo, tudo exatinho. Mas que em uma roda masculina os homens colocam o dinheiro na mesa com uma larga margem de troco,  mas em vez do troco simplesmente pedem a saideira que Pode varar a noite. Dependendo do troco ou dos trocos. Porque de repente é preciso fazer uma nova conta, colocar dinheiro na mesa e com o troco beber uma nova saideira. Assim expressei essa situação, na forma de um poetrix:
 
A Saideira
 
última garrafa aberta.
Paga-se a conta.
Com o troco recomeça a bebedeira.
 
Não sou de beber, não ao ponto de pedir a saideira. Gosto de um bom vinho, principalmente no almoço de domingo. Gosto de uma boa cerveja gelada, que tomo aos sábados. Gosto também de coquetéis cremosos e adocicados que tomo geralmente em festas que os oferecem. Ou licores digestivos. Em toda minha longa vida posso lembrar-me de duas situações em que bebi ignorando o meu limite. Da primeira vez jurei nunca mais beber vodca. Da segunda vez eu havia quebrado o juramento. Todas as duas vezes foram precedidas de : vamos beber mais uma? Só uma. Um longo espaço de tempo separou uma bebedeira da outra. Nem posso dizer que havia motivo que não fosse a simples alegria de viver. Nem houve consequência séria em nenhuma das duas, fora a Terra ter girado em uma velocidade surpreendente. Mas da primeira vez eu acabei comprando a coleção encadernada dos livros de Jorge Amado e assumido o compromisso de fazer palestras regulares para os jovens. Não teria sido nada demais se eu também não fosse bem jovem na ocasião, mais jovem do que os jovens que apareceram para ouvir as palestras. A segunda e última vez me fez esquecer o português: eu comecei a falar e a pensar em Inglês. Não seria nada demais também se meu Inglês normalmente não fosse péssimo.
 
É muito triste ver beber quem não sabe beber. Ou não pode. Meu avô paterno era alcóolatra. Destruiu a própria vida bebendo toda a sua herança e a de minha avó. Era um artista e talvez por isso a vida cotidiana lhe pesasse tanto. Meu pai não bebia, mas infelizmente dois de meus irmãos foram alcóolatras.Digo foram, não porque tenham parado de beber mas porque morreram. Por esta razão vejo com tristeza as pessoas destruírem as próprias vidas tornando-se escravos da bebida. Certa vez, passando de carro por uma rua escura e triste vi um homem sozinho encostado no balcão de um bar. A imagem me perseguiu até em casa e antes de dormir rabisquei em um pedaço de papel este Haicai colocando-o dentro do livro que eu lia. Achei-o há poucos dias e senti novamente a mesma tristeza pensando em meus irmãos:
 
 
A lua atravessando a noite
Única testemunha
Do último gole do bêbado triste
 
 

 
Não está sendo muito fácil escrever esta crônica. Tentei todas as formas literárias, em pensamento, é claro, mas nenhuma me satisfez. Li na net um montão de piadas sobre bêbados, mas piadas sobre bêbados são muito deprimentes. Queria fazer um rondel. Ando louca pra fazer um rondel. Até cheguei a fazer, mas acho que não deu muito certo. Copiando e colando eu acabei foi apagando e o meu rondel teve o destino de todos os que bebem demais.
 
 
Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Saideira
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