O casal de andarilhos

Desde quando chegou à região, o casal de andarilhos já chamava a atenção, não por serem exatamente andarilhos, algo incomum na cidade onde escolheram como parada provisória, sempre vagando sem destino, o que atraia a curiosidade de todos mesmo, era a maneira como aquele casal demonstrava carinho, respeito e amor, um com o outro, isso tudo numa situação não muito desejável e muito menos aceitável para qualquer espécie de animal, principalmente para nós seres humanos, sobreviverem em condições precárias de higiene, alimentação e sobretudo moradia, o que incapacita qualquer um de resgatar o seu valor de homem e mulher perante a sociedade, destruindo fisicamente e emocionalmente.

O que admiravam naqueles dois seres, deveria ser seguido como exemplo para qualquer casal que no menor problema conjugal, encontram a separação como solução, deixando as juras de amor testemunhadas ou não por um padre (algo raro), como simples palavras proferidas para o nada, aqueles dois eram o AMOR, não conseguiria identificar em qual momento fizeram este pacto e qual eram as condições, mas posso afirmar que ali nada era falso, os olhos mesmo castigados pela vida não escondiam a felicidade, o sorriso já quase incompleto inundava o coração, não havia um morador que não se emocionava, que inconscientemente também procurava a coragem de se entregar daquela maneira ao seu amor, para a sua companheira, a coragem de andar abraçados ou de mãos dadas, não apenas como um “script” para a sociedade, contudo colocando a alma naquela união, e isso podia se ver naqueles dois, justamente neles, onde ninguém poderia imaginar de encontrar.

Gostavam da vida de andarilhos, gostavam da liberdade e principalmente gostavam de andar juntos, não se separavam nunca, várias vezes, sensibilizados, os comerciantes do município os convidaram para trabalhar, o que era muito gentilmente agradecido e logo descartado, não procuravam vínculos, viviam de materiais recicláveis e de almoços oferecidos (não pediam) pelas pessoas, dormiam numa “casa” construída artesanalmente com, maderitis, telhas velhas e madeiras descartadas, num local afastado do centro, não queriam incomodar e muito menos serem incomodados, ali encontravam a “paz” para a intimidade e até as conversas de novas viagens pelo Brasil. O que estranhava, era o fato que já passado alguns meses, não muito comum para andarilhos, é que não refletiam a menor vontade de voltarem à rotina das estradas e parecia que finalmente plantariam raízes, no entanto, seja por qual motivo, aquilo começava a incomodar o homem, a mulher, que esperava uma criança, refutava outra jornada, que poderia colocar em risco a sua gravidez. E ao discutirem, algo que deixou as pessoas incrédulas, naquele dia ele resolveu beber, e bebeu, não uma ou duas doses para “esquentar”, mas cinco, dez, um monte. Preocupada com o “marido” que dificilmente se atrasava, decidiu sair pelas ruas a sua procura, e o encontrou, morto, provavelmente atropelado por um caminhão, ali findava aquela junção, gritou alto, forte, de dor, de raiva e desespero, naquele instante aquele homem que tanto a amou e ela tanto o amou, acabava de te trair, te deixava, depois de muitos anos, sem ao menos se despedir.

Mas ela foi valente, em seus olhos mesmo não tendo mais o brilho e nem o seu sorriso que morrera junto, permaneceu firme para suportar a saudade e aguardar a chegada do filho, após o nascimento da criança, muitos foram o que quiseram adotá-los, famílias iam a sua “residência” lhe oferecer emprego e moradia, e da mesma forma gentilmente agradecia e não aceitava, doações de mantimentos chegavam a todo momento, inquieta com aquilo (não há julguem mal agradecida), arrumou as poucas coisas que tinha e antes do amanhecer partiu com a criança, nunca se soube de verdade o seu destino, mas muitos boatos de caminhoneiros, que percorrem as estradas da região diariamente, dizem que as noites durante as viagens veem um vulto na escuridão, e creditam que, aquela alma, seja do homem, morto atropelado anos atrás e que continua a procura de sua amada mulher e de seu filho.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 30/07/2009
Código do texto: T1726802
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