A carta que não chegou

Convidado por um colega para lhe ajudar em uma destas limpezas que raramente fazemos nestes quartinhos que ficam no fundo da casa, ele que havia acabado de adquirir o imóvel, herdado pelo sobrinho do antigo dono, e que por morar longe não podia fazer a manutenção adequada, sendo este um dos motivos da venda. A casa era enorme com cômodos amplos, arejados, iluminados, bem diferente dos atuais, apertados e sufocantes, sem perder tempo seguimos em direção ao tal quartinho, aquele onde se amontoa de tudo aquilo que nos parece útil, mas com o tempo apenas descobre (nestas limpezas) que tudo aquilo que sempre achamos que um dia serviria para algo, nada mais é do que inutilidades que por pena de desfazer acabamos guardando. Começamos cedo, em pleno sábado, ás oito da manhã, já estávamos retirando as “bugigangas”, pilhas de jornais, mesa com três pernas, poltronas para serem reformadas, peças de objetos que sabe lá da onde eram, muitos papéis amarelados e pó até dizer chega, conforme avançávamos ficávamos com mais medo, se bobeasse encontraríamos até um cadáver.

Fuça daqui e dali, encontramos uma pasta vermelha com o nome do antigo proprietário, Samuel Santos, tio do ex-dono do imóvel, e que faleceu em um acidente de automóvel quando realizava uma viagem de mudança para a cidade de sua família, interior do estado, no penúltimo dia do ano de 1968 (esta era a história contada pelo sobrinho), curiosos resolvemos abri-la para ver o que continha ali dentro, muitos envelopes para o mesmo destinatário “Teresa Soares”, em cada um, uma carta, na frente de todos além do nome da pessoa vinha escrito “cópia”, o que nos sugeriu que todas as cartas ali eram cópias das originais enviadas e por algum motivo foram guardadas na respectiva pasta, no entanto apenas um chamava a atenção, justamente por não ter mais nada, a não ser o nome do destinatário, provavelmente teria desistido de enviá-la, sedentos pelas palavras contidas naquela carta e curiosos, afinal vivemos no mundo dos e-mails e dos “twitters”, abrimos o envelope e lá estavam as tais palavras em uma bela caligrafia.

Para a minha amada Teresa Soares,

Bom dia,

Sabes que sempre lhe amei e nunca lhe perdoei por ter se casado com outro, por isso não estenderei muito com as minhas palavras, para não lhe magoar e te machucar com alguma que venha a ser escrita sem a minha permissão, quiseras eu estar no lugar dele, mas o destino não quis que fosse desta maneira, por isso lhe envio esta carta para despedir-me de tu, não quero alimentar-me mais desta ilusão vivida por nós, por meio de tantas cartas, trocadas durante todo este tempo, preciso voltar a viver e você precisa respeitar o seu marido, já que o escolheu para viver ao seu lado, não penses que te esquecerei por estar enviando esta carta derradeira, prometo te levar por toda a minha vida dentro do meu coração, precisamos saber a hora exata de virar a página e seguirmos adiante, estou procurando expressar com todo o meu amor que sinto por você e travando uma luta feroz contra a razão, que alimentado pela desilusão, não mede as consequências que poderão ser geradas com algo escrito inconscientemente, amanhã mesmo partirei para a cidade da minha família, volto para o interior levando comigo a sua imagem e as saudades que sentirei de ti, que seja feliz com o teu marido e que Deus lhe dê muitos filhos, muita saúde, PAZ e felicidades.

Do seu amado Samuel Santos.

São Paulo, 29 de Dezembro de 1968.

Em nossas mãos estava a prova de um amor que um dia teve que ser renegado, uma carta que jamais chegou ao seu destino, um pedaço de papel que mostrava a força de um amor, uma carta que não teve a coragem de enviar e resolveu guardá-la. Deduzimos que esta carta ia junta com as outras dentro da pasta ao seu lado, numa viagem que acabou no meio do caminho, e lá jogada entre o corpo sem vida e o resto do carro, já sem a mesma importância para os que a herdavam, era recolhida e esquecida em um desses quartinhos, como este que começamos a limpar, como um simples objeto sem significado algum, para muito anos depois ser encontrada por acaso, por ironia do destino, por alguém que gosta de escrever e se encanta com qualquer coisa, hoje homenageio este homem e a sua carta, com um pequeno e modesto texto, que tenho a honra de compartilhar com vocês. Muito obrigado!!!

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 31/07/2009
Reeditado em 31/07/2009
Código do texto: T1728803
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