Contusão
Não sabia que horas eram, e também não queria saber. Só sabia que era manhã de domingo. Seguindo o trieiro no pasto, apertava o passo para chegar a tempo da escolha de jogadores e dos times para o início tradicional pelada.
Olhava para frente, fixamente, e já podia ouvir os chutes na bola com a qual os companheiros treinavam. Apertava o passo.
Passava por uma touceira grande de capim, olhando para frente, quando sentiu que feriu o tornozelo, olhou para o chão e viu algo pardo, esguio e roliço deslizando capim adentro.
Olhou o ferimento, e viu o sinal de duas presas, pequenos furos, não doía, mas mesmo assim começou a correr, tentando alcançar os amigos.
O agito da corrida fez com que o veneno circulasse bem mais rápido em seu sistema sanguíneo, as pernas não obedeciam, começou a cambalear, olhava para a camisa e estava cheia de espuma branca, e nem percebeu que sua boca expelia aquela espuma, e uma sede incrível dominava suas vontades. Não conseguia mais andar, olhou ao longe e não enxergava mais nada direito, as árvores dançavam, resolveu desistir, caiu inerte.
Acordou em um quarto branco, o braço com a agulha e o soro pendurado, a cabeça pesando dezesseis toneladas, e o pescoço rijo não permitia movimentos para conferir o restante.
O enfermeiro entrou, conferiu o soro e falou que a cobra devia ser pequenina, mas que o veneno de cobras menores são mais potentes, para que a presa que serve de alimento seja morta mais rápido.
O soro antiofídico estava fazendo efeito, repouso absoluto, e a hemorragia nasal e cutânea já haviam cessado.
Naquele domingo não jogou bola, não foi escolhido por time nenhum, já que estava com uma grave contusão no tornozelo.