Última aposta.
Tinha prometido a si mesmo que seria a última vez, a última aposta. Sentou na mesa redonda ainda cedo e foi jogando várias rodadas, na hora do almoço nada comeu, já que a vontade de ganhar despistava a fome; só mais um golinho de café, outro cigarro.
O dinheiro havia acabado e então, tirou de uma sacola plástica a escritura de sua casa e jogou sobre a mesa.
As cartas foram dadas, cada um com seu leque de naipes nas mãos, pensando, olhando, comprando, descartando.
Escutou alguém dizer: "Bati", escutou e sentiu a batida, bem no peito.
Havia perdido tudo, o dinheiro, o carro, as terras, a dignidade e agora, a própria casa. Pensou em não pagar, afinal, era só dívida de jogo, mas a honra fala alto para quem sempre foi recebido e aceito naquela mesa de "amigos", jogando seu carteado com apostas altas, mesmo sem dinheiro. Sua família teria que ir para a rua.
Levantou da mesa, pediu uma dose de conhaque, atravessou a cidade, à pé, sem pressa.
Chegou em casa à noite, e enquanto todos dormiam, tomou água gelada, e estranhamente, saiu correndo, deu a volta no quarteirão da própria casa, chegou no portão com o coração acelerado, quase explodindo.
Sentou em sua cadeira favorita no alpendre, e vagarosamente tirou do bolso uma lâmina de barbear, embrulhada naquele papel de seda, novinha, brilhante.
Olhou bem, e conscientemente, passou cada um dos lados daquela lâmina em cada pulso, o sangue agitado esguichava freneticamente, mas ele se manteve calmo, apenas sentou em sua cadeira e relaxou, decidindo firmemente que não jogaria nunca mais.