O nome da batata não altera a maionese

Fui matar uma antiga curiosidade que, embora fosse curiosidade, nunca tinha me preocupado em satisfazê-la: ver o significado da palavra saudade, segundo o dicionário. Fui. Eis o conceito, segundo um minidicionário razoavelmente confiável que eu tenho aqui:

Sau.da.de s.f. 1. Lembrança triste e suave de pessoa(s), situação ou coisa(s) ausente(s) ou extinta(s). Pl. 2. Cumprimentos, lembranças afetuosas a pessoa ausente.

Não satisfeita com a resposta, fui ver o que dizia um outro que se diz dicionário, mas que na verdade é um desses livrinhos que vêm de brinde noutro livro maior, pra deixar o comprador feliz. Pois eis a minha surpresa:

SAUDADE, s.f. Recordação ao mesmo tempo triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possui-las; pesar, pela ausência de alguém que nos é querido; nostalgia, designação de várias plantas da família das Dipsacáceas e das suas flores; planta da família das Asclepiadáceas; cantiga da terra entoada pelos marujos no alto mar; pl. cumprimentos; lembranças afetuosas a pessoas ausentes.

Eu sabia! Isso que eu sinto não é saudade. O que eu sinto não tem nada de triste nem de suave, e nem é por nada nem ninguém ausente. É bom e forte, e é por alguém que, mesmo a centenas de milhas, é a pessoa mais presente na minha vida. É certo que o que sinto vem acompanhado do desejo de tornar a vê-lo, o meu querido, mas nada de pesar, nada de nostalgia. É certo também que eu não vou encontrar num dicionário o significado disso que eu sinto. É certo que nem me preocupo em saber o que é...

É uma coisa que eu não gostaria de estar sentindo, mas gosto de sentir. É uma coisa boa que me faz chorar. É um aperto por dentro que me faz rir. É um agonia pela qual eu agradeço todos os dias.

É uma coisa que eu nunca quis, mas que não poderia viver sem. Nunca pedi, mas foi o melhor presente que já ganhei. Nunca me imaginei sentindo isso, e não sei como conseguia viver antes.

Não, definitivamente não sinto saudade. Não essa de dicionário. Não essa triste e suave. Não é saudade ter, num dia inteiro de pensamentos diversos, sempre a mesma imagem ao fundo. Não é saudade imaginar o futuro e querer que ele chegue logo. Querer que o tempo voe não é saudade. Lembrar o tempo todo de coisas que já aconteceram, e rir e chorar ao mesmo tempo, e rir de novo e agradecer talvez seja saudade, mas esta definição não consta do dicionário.

É difícil definir o que é saudade, deve ser por isso que só achamos essa palavra na língua portuguesa, o Português gosta de complicar. Mas não estou interessada em saber se isso que sinto é ou não saudade. É bom. É bom acordar e dormir e lembrar e nunca esquecer que achei o amor da minha vida. É bom saber que ele sente a mesma coisa. É bom. Que isso seja saudade, nostalgia, pesar pela ausência, não importa. É como dizer que Plutão não é mais planeta, o termo que se usa pra designar algo não muda os fatos. O que eu sinto poderia se chamar 'noete' e continuaria sendo o que eu sinto. Aliás, acho não é prudente que eu acredite num dicionário que define amor (escolhi essa palavra ao acaso, só pra testar a confiabilidade do dicionário) como "afeição profunda, zelo, cuidado", muito menos num outro que nem apresenta essa palavra.

Mas, estou aqui apenas devaneando e ciente de que estou apenas devaneando. Talvez isso que eu sinto seja saudade sim, talvez não seja mesmo. Ou talvez seja algo da família das Dipsacáceas e das suas flores, vai saber...

Natália Cristina de Almeida Souza
Enviado por Natália Cristina de Almeida Souza em 08/08/2009
Reeditado em 27/09/2009
Código do texto: T1743878
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