Um Pinguim, um porquinho e um real

Crise econômica mundial... Desemprego... Recessão... A vida anda dura, até mesmo para um pingüim malandro feito eu.

Não gosto de admitir que tenho pontos fracos, mas na atual conjectura global, um certo desvio de conduta que eu procurava manter oculto das pessoas (inimigos e fã-clube) se tornou patente e preocupante para a minha saúde financeira. Eu sou um comprador compulsivo, daquele tipo totalmente desvairado! Contudo, Com o dim-dim escasso no mercado, acabou se tornando mais difícil a aplicação dos meus golpes para continuar conservando o meu alto e requintado padrão de vida. A solução? Apertar o cinto, conseguir administrar e reduzir meus gastos astronômicos. Para tanto, fui procurar a ajuda competente de um assessor de finanças. O cara, após esmiuçador exame das minhas despesas, receitou a terapia necessária para me tirar da beira da penúria. Eu deveria evitar dispêndios desnecessários, manter os cartões de crédito a uma distância mínima de duzentos anos/luz da minha compulsão! Deveria economizar grana, abrir uma pequena poupança e estabelecer metas para o êxito do “tratamento”.

Aquelas recomendações, para uma ave descontrolada e pródiga em torrar cobres (com ou sem necessidade) foram um verdadeiro choque! Eu não estava acostumado a segurar meu voraz ímpeto esbanjador. Eu via, gostava e instantaneamente comprava sem me importar com o valor ou a real utilidade do objeto; entretanto eu era chamado a me policiar para não acabar na rua da amargura...

Cabisbaixo e compreendendo que a coisa estava preta para o meu lado, decidi me empenhar na ingrata missão de fazer minha graninha chegar até o final do mês.

No caminho até minha residência, eu me deparei com um vendedor ambulante que comercializava cofres de argila em vários formatos. Eu parei para olhar e resolvi comprar um em forma de porquinho do tamanho médio. Se era para começar a guardar dinheiro, então eu meteria no porco! Paguei com meus parcos recursos o precioso objeto... Entrei numa loja para comprar tintas e pincéis, pois o meu porquinho-cofre seria o mais transado do pedaço e, sendo assim, eu iria “customizar” o camaradinha! Queimei mais uma grana! Não satisfeito, descobri que não tinha uma mesa ou prateleira a altura de acolher o porquinho símbolo da minha capacidade de superação na façanha de ser mais comedido em termos de gastos supérfluos, a representação materializada da minha abstinência consumista! Ele passaria a ser o meu melhor amigo, o bichinho de estimação, então, ele merecia um altar digno de um deus porquinho!

Dirigi-me a mais cara loja de móveis da cidade. Não pensei em mensura de valores, afinal o meu porquinho fazia jus ao melhor! Um consultor da loja observou a importância da luz para enfatizar a beleza do objeto que ficaria em evidência sobre a mesa, ao que eu concordei depressa. Comprei uma linda luminária, um verdadeiro holofote para destacar meu porquinho anticonsumo! Também adquiri duas miniaturas de suínos para não deixa-lo solitário enquanto o coitado se incumbia de zelar pelo meu dinheiro... Nem mesmo esqueci de comprar um Cd de mantras para ressoar no templo da minha casa enquanto se multiplicava o meu patrimônio.

Depois do porquinho pintado e cenário montado, eu me preparei para o grande acontecimento que seria o primeiro e vultoso depósito no meu porquinho-cofre... Estourei o champanhe mais caro, fiz toda uma ritualística e quando peguei na minha carteira, levei um susto! Só havia me sobrado uma moeda de um real! Não acreditei naquilo! Virei e revirei a casa, os bolsos, mas não teve jeito: a minha superprodução foi ofuscada pela atuação caricata da ínfima importância que eu introduzira no porquinho... Apesar do fiasco inicial, eu fui dormi com a sensação de que minha vida estava dando uma guinada significativa.

Lá pelas tantas da madruga, eu acordei com o ronco retumbante do meu estômago. Lembrei que tinha passado o dia inteiro sem comer! Fui até a cozinha, procurei comida nos armários e geladeira, mas não encontrei, estava à zero! Comecei a entrar em desespero! Eu não suporto sentir fome! Sabia que não tinha mais nem um puto no bolso... O único dinheiro que me restara era a moedinha de um real que descansava tranquilamente nas entranhas do meu suíno de barro cozido!

Aproximei-me do cofrinho... O infeliz do porquinho parecia ter compreendido que a porca iria torcer o rabo pro lado dele e mostrava, em seus olhinhos, um ar que implorava pela minha clemência... Pensei sentir uma dor no coração, mas era ainda a minha barriga que protestava violentamente de fome! As horas se passavam e eu vivia aquele tormento selvagem entre “matar” ou morrer...

O dia amanheceu e o veredicto saiu conforme a minha lei: “Se a farinha é pouca, o meu pirão primeiro!”. E foi assim que o meu querido amiguinho teve a morte mais prematura da história dos cofres em designer de porquinho. Corri esfomeado para a padaria para comprar um real de pãezinhos.

Para aqueles que acham que eu não tenho coração nem juízo, eu respondo que, como forma de homenagear meu amigo, eu conservei os caquinhos dele sobre a mesa cara reluzidos pela luz potente da luminária e velados pelas duas miniaturas suínas... Que seus restos mortais descansem em santa paz...