A oração do "Pai Nosso" em minha vida

Nas lembranças que trazemos, há sempre aquelas das quais não podemos nos separar, sob pena de se perder a própria identidade. Fazem parte do eu de cada um e determinam os aspectos da individualidade.

Assim, acredito, acontece com todos, e assim também se passa comigo.

De minha infância, lembro da minha casa, grande e confortável, localizada no bairro de Copacabana, de meus irmãos, da algazarra nas horas das refeições e de meu colégio. Lembro com bastante nitidez de como olhava para meus pais com admiração, respeito, e a consciência de que não sobreviveria sem eles.

No momento, estou voltada para Deus e para o grande encontro que aconteceu recentemente em minha vida e que a transformou completamente. Vejo, que em minhas recordações, aparece muito forte a minha vida no colégio de freiras em que me eduquei. Voando rumo aquele mundo, me vejo ajoelhada na linda Capela, rezando a oração do “Pai Nosso”. Assim, como tantas outras tarefas que executava ali, minha oração saía melancólica, repetida e sem grandes reflexões acerca de seu conteúdo. No entanto, com grande espanto, constato hoje, que ao recitar aquelas palavras, mecanicamente, como elas me traziam paz! Era como se em cada uma delas, estivesse contida uma forma de sair de onde estava e cair direto nos braços do Pai.

Pai...

Pai, que palavra pequena e forte! Não é a toa que temos dois. Um representante aqui na Terra, Daquele que nos criou... E Este de que acabo de falar, o Criador, O Amor em sua essência, a plenitude, Aquele do qual, às vezes, nos sentimos tão longe, e que no entanto, está dentro de nós.

Em minha infância, no jardim de minha casa, estava eu a brincar, no cair da tarde, tendo o céu sobre minha cabeça. Olhava para cima, e via aquele imenso espaço que começava a se cobrir de inúmeros pontos luminosos, e pensava... Só um Pai como este, poderia morar em tal beleza, em tal poesia, e só Ele poderia inspirar tanto amor, tanta vontade, tanta sede, sim, sede de Deus. Por vezes, estava eu inebriada em meus pensamentos, olhando para cima, procurando perceber a face de meu Pai. Neste momento, meu pai entrava pelo portão de minha casa. E eu o achava tão forte, tão firme, tão cônscio de sua força, de seu poder. Será que meu Pai também seria assim? Amava meu pai, e amava meu Pai. Às vezes os via como que unidos, levando-me a caminhar, aliviando-me os percalços. Em outras ocasiões os via tão distantes... Tinha medo... Achava que também Deus poderia se afastar de mim. Repelia esta idéia com veemência. Não, não poderia admitir tal situação. Meu Pai jamais se distanciaria de mim. Nestes devaneios, eu estava sozinha, como se Deus fosse só meu. E aí vinha a segunda palavra da oração... junto é claro com a primeira, que era a essência de tudo.

Pai Nosso...

Então todos teriam aquele Pai? Será que Ele bastaria a todos? E aí meu olhar se voltava novamente para o azul do céu. Sim, eu nem poderia imaginar a grandeza daquele Ser... Começava entrar em minha alma as primeiras noções de fraternidade. Todos teriam o mesmo direito, todos sentiriam aquela mesma sede, aquele desejo incontrolável de ver a Face de Deus, de ver aquela Face tão amada. E aí viria a melhor parte. Se o Pai é Nosso, sou irmã de Cristo. Que idéia deliciosa... Bem, deliciosa e incompreensível. Jesus é o próprio Deus. Mas dividiu Seu Pai conosco, dividiu seu Pai com toda humanidade. Meus pensamentos não paravam. Como esse Jesus era bom... Se fosse eu, no lugar dele, agiria da mesma forma ? Jesus nos deu o máximo, nos deu Seu Pai... Como eu amava Jesus Cristo. Naquela, época ainda pouco o conhecia, mas O amava acima de tudo.

Que estais no céu...

Vinha novamente diante meus olhos infantis, aquele espaço, acima de minha cabeça, que me atordoava, e me fascinava... Onde estaria Ele? Estaria Ele se escondendo de mim? Mais uma vez reagia a uma idéia. Ele estava bem junto de mim. Eu o podia sentir... Não poderia definir esta sensação, mas sabia que Deus, meu Pai, estava bem junto de mim. Eu quase o podia tocar... Não poderia definir esta sensação, mas sabia que Deus, meu Pai, estava ali.Poderia até mesmo sentir o Seu calor e Sua força

Anos mais tarde, tanta coisa se passou. Eu me distanciei tanto d’Ele... Vivi muitas coisas, alegrias e dores, construí muitos castelos. Alguns deles se tornaram realidade, outros ruíram como pó. Mas hoje tenho a certeza que Ele esteve, está sempre em mim. E com certeza reformulei a visão que tenho do mundo e de tudo que há nele. Esta oração nos faz também pensar nisto. Como faz diferença termos a certeza da existência e da presença de Deus. Viajo para dentro de mim, procurando o mais recôndito do meu ser, porque é ali, onde nem mesmo eu tenho conhecimento total, é ali, que me torno Templo de meu Pai. Como é bom saber que Ele e eu, entramos em comunhão absoluta. Este encontro é pessoal, é inadiável, é eterno e me transforma: a partir deste momento nunca mais serei a mesma.

Santificado seja o Vosso Nome

Meus olhos de menina contemplavam as imagens de santos existentes naquele colégio. Sabia de cor muitas de suas histórias. Histórias de tortura, abnegação, entrega, amor acima de tudo. Amor ao Pai, amor ao Cristo e com certeza vidas ungidas pelo Espírito Santo. Em minha cabeça ficava a imaginar como seria então Deus. Se estes santos, com seus exemplos de vida, já se me apresentavam de maneira inatingível, imagina aquele Ser Criador, absoluto e perfeito que mora no coração de todos os seus filhos. Isto me levava a compreender... Santificado seja o Vosso Nome... Sim, que Nome maravilhoso seria este, Nome que nos traz doçura, encanto, paixão, sede, uma sede que jamais será saciada, pois sempre precisaremos mais de Deus. Santificado seja o Vosso Nome...

Venha a nós o Vosso reino

Reino é o lugar onde alguém tem poder absoluto. Como seria este reino? Minha infância havia sido povoada de lembranças de histórias onde havia reis, príncipes e princesas. Dava-me conta, naquele momento, que nós, filhos desse Pai, éramos todos príncipes e princesas. Sim, Nosso Pai nos garantia isto, a partir de Sua Paternidade e Realeza. Precisávamos pedir, Venha a nós o Vosso reino... Só assim estaríamos em casa, na casa do Pai. Carecíamos deste reino, onde Deus pudesse estar, soberano e misericordioso, e nós, acalentados por esse amor, já estaríamos alcançando a sua plenitude. Venha a nós o Vosso reino...

Seja feita a Vossa vontade

Volto novamente ao jardim de minha casa. Extasio-me diante de tantas plantas, bonitas e viçosas... Passeio pelas imediações do bairro onde estava localizada minha casa. Encaminho-me para a praia. Aquele mar... aquele sol... o azul brilhante diante de meus olhos... Só poderia ser obra de Deus. Tudo e todos se curvam diante deste Pai. Quem somos nós, quem sou eu para duvidar de vontade tão suprema...

Acaso pode-se compreender o sentido total de fatos que acontecem no dia a dia? Não, claro que não! Pai, eu me entrego e cedo a Tua vontade porque só Tu és o Meu Deus! Naquele momento, então eu repetia, com toda a ingenuidade de meu jovem coração: Seja feita a Vossa vontade. Hoje, passados tantos anos, continuo a dizer, agora que a maturidade me assegura também a fé na presença constante deste Pai: Seja feita a Vossa vontade...

Assim na Terra como no céu

Não deveria ter mais de dez anos, quanto adquiri o hábito de olhar para cima onde, acreditava que veria estampada a Face Sagrada. Tinha certeza que um dia a encontraria... E foi justamente esta fé que me levou anos a fio a olhar para cima e ao meu redor, comparando, pesquisando, sentindo, até que finalmente minha alma se visse completamente integrada à imagem de Deus, à imagem de Cristo, e à força do Espírito Santo. E diante de suprema força, imaginava o que queria isto dizer. Tentava não ficar muito ansiosa porque tudo que vinha de Deus me atraía sobremaneira. Na verdade, os anos de vida me ensinaram que nem tudo se compreende, e que às vezes Deus nos faz compreender de forma lenta, no nosso julgamento. Já adulta, pude discernir, seja feita a Sua vontade assim na Terra como no céu... Concluí que meu Pai queria que Terra e céu fossem um só, que já vivêssemos esta vida com a certeza de sua presença, com uma confiança total, aquela que aos dez anos, me fez me colocar diante da presença divina, examinando cada passo para atingi-Lo. Assim na Terra como no céu...

O pão nosso de cada dia nos daí hoje

Quando comecei a pensar em Deus, era ainda muito pequena, mas acho que herdei de meu pai, a fé e paixão por Ele, e por isso sempre me via a refletir em coisas que me eram ensinadas, mas não muito percebidas. Achava nesta época o “Pai Nosso” muito grande e às vezes me dispersava. Pensava que falar em pão quando se está falando de algo tão elevado era meio incompreensível. Hoje entendo que Deus está em tudo também, por que não estaria na nossa sobrevivência? O pão nosso de cada dia... Sim, hoje percebo. Temos que pedir desta forma, pois o que está implícito aí é nossa preocupação em relação a vida e todas as implicações que dela vêm. Peçamos ao Pai, o sustento, porém sem uma preocupação exagerada de muito acumular. Quando Jesus nos ensinou esta oração, acho que nos queria dizer exatamente isto. Trabalhar e confiar. O pão nosso de cada dia nos daí hoje...

Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido

Menina ainda, via os adultos dizendo que esta era a parte mais difícil. No entanto não compreendia e não via desta forma, até porque acho que as crianças têm uma forma mais autêntica de se relacionar com o outro. Hoje reflito que esta é a única parte da oração em que prometemos algo. Temos que perdoar... para sermos perdoados. Era bom ser criança e estar entre os contemplados de Deus, pensava eu... Era bom ter o coração livre de mágoas... Era bom poder saber que fizesse o que fizesse, eu teria o perdão de Meu Pai. Esta imagem de um Deus amigo e compreensivo contrastava um pouco com o que me ensinavam no colégio. Mas para mim, Deus era exatamente assim, era bom poder contar com Ele. E se Ele estava em meu coração, naturalmente que teria também esta mesma capacidade de perdoar. E isto me trazia a sensação de quase poder tocar a Face de meu Pai.

E não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal

O que seria isto? A tentação realmente existe ou é fruto de nossa imperfeição? Naquela fase de minha vida não conseguia chegar muito perto desta frase. Achava-a feia e sem sentido. Com Deus, só poderíamos tratar do belo, do puro, do amor. Mas então por que Jesus nos ensinava esta parte da oração? Mais tarde, lendo a Bíblia, vi que o próprio Jesus foi tentado por três vezes, e por três vezes resistiu. Compreendia então que esta frase tinha muito mais sentido do que eu poderia imaginar. Com ela não pedíamos para resistir sozinhos, com ela pedimos para Ele vir em nosso auxílio. Como era bom saber que meu Pai estava ali me protegendo, me guiando. Era tão simples, só precisava confiar...

Amém

Percebia que tudo que orava, tinha que dizer amém. Pedia e dizia amém. Achava que era só isto. Mas nas simplicidade de meu coração infantil, fazia muito mais. Confiava, sentia a presença amiga Daquele que jamais me faltaria. Amém... precisava saber o seu significado. Amém... Dizia-o com toda facilidade. Percebia que esta palavra ecoava em meu coração, em meus sentidos e trazia-me Jesus, toda sua doçura, segurança, amor. Trazia-me a força e a consciência de que não estava sozinha, de que não tinha controle sobre os fatos de minha vida, trabalhar e confiar... Amém.

Minha história me mostrou a força desta palavra. Tantos anos se passaram... Muitas vezes não me dei conta de meu Pai e de que Ele só me pedia para confiar, pedia-me um amém. Hoje compreendo... e confio... Amém.