Paixão

Coisa esquisita é a paixão. Esquisita, desconsertante, inquieta, atrevida e auto suficiente. Chega quando quer, se instala onde quer, da forma que quer, não pede opinião e não dá brecha para recusas ou argumentos. Aparece e pronto. Seja prá quem for, estando a pessoa preparada ou não.

A chegada abrupta, invasiva, deixa uma onde de perplexidade, causa descontrole físico e emocional, deixa a vítima em profundo estado de anestesia, alheia à tudo que não faz parte daquele único contexto. Flutua-se, tudo fica azul de repente, a vida vira um jardim florido e muito lindo. Até aquelas borboletas e colibris que outrora não se enxergava, se tornam as mais belas espécies da fauna. É a fase da vida de um ser humano que é mágica. Transforma tempestades em dias de sol, encontra soluções para os problemas mais escabrosos. O corpo fica leve, levita, a respiração muda, a temperatura sobe, as mãos suam, e os olhos... Ah, os olhos!!!! Nunca se viu em lugar algum duas bolas brilhares tanto!! Não tem mais jeito. É hora de se entregar, se render à essa coisa abusada e decidida e simplesmente vivê-la intensamente. Se deixar levar pela magia, pelo encantamento e entrar nesse mundo azul. Daí então corpos se tocam, bocas se beijam, mãos se entrelaçam, olhos se cruzam e se falam, alheios ao mundo, à vida que segue. Com o tempo se conhecem bem, melhor, se amam mais, expõe-se intensamente ela, a paixão. Ela então vence. Dominou completamente duas almas que, pelas delícias e delírios da oponente, se deixam vencer. Perder nunca foi tão bom. Render-se nunca foi tão gostoso! Os corações estão em festa. É o auge da paixão.

O tempo faz a sua parte: passa. E com isso, a tão avassaladora paixão se abranda, não corre mais risco e ser resistida. Se acomoda, aconhega, se torna dona absoluta do espaço conquistado com a sua ousadia, imponência, pela beleza exclusiva que tem. Mas essa poderosa guerreira comete um pequeno erro. Pequeno, mas crucial. Não avisa aos seus súditos que é preciso cuidar, alimentar, avaliar, estabelecer pequenas regras de cuidado mútuo. Esqueceu de avisar que, quando confortavelmente instalada, ela baixa a guarda. Esqueceu de comunicar que tudo que é belo, também precisa de atenção, porque ninguém nem nada, nem mesmo a paixão, se mantém sozinha. Precisa da constante cumplicidade, do constante respeito, da constante admiração. Ingredientes que, juntos constroem o amor. Sentimento necessário para substituir a paixão, que o tempo, muito mais poderoso, um dia mata, elimina. E aí, se não se construiu o amor, fica um imenso vazio no peito, inunda nossa alma de angústia e dúvida e ficamos perdidos, sem saber prá onde foi aquele mundo azul que acreditamos um dia, que seria prá sempre.

Mírian da Glória Alves
Enviado por Mírian da Glória Alves em 22/08/2009
Reeditado em 20/03/2017
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