Meu último Natal

MEU ÚLTIMO NATAL

Há muito tempo , quando pequenino, encantavam-se as histórias de Natal. Depois, bem mais vivido (quantos desenganos), ainda ouvi com prazer imenso, infantil mesmo, todos esses contos que nos transportam à infância, maravilhando-nos cada vez mais, com sua fantasia. Sempre o bom velhinho de barbas brancas, a alegrar a petizada. Sempre a expectativa da noite e a surpresa do amanhecer.

Se grande era a ansiedade, maior ainda era a satisfação que nos assaltava quando, ao abrir os olhos, víamos junto ao nosso leito aquele brinquedo com que sonhamos o ano inteiro. E, naquela alegria, corríamos a mostrar aos papais o nosso presente.

Aí, horas a fio, ficávamos a embebedar-nos com o prazer que aquele dia nos causava. Longe, bem longe dali, estava a lembrança de Jesus, que morreu por nós. No entanto, éramos bem felizes: ninguém o poderá negar. Era o Natal e isso nos bastava, embora ignorássemos por completo a extensão daquela palavra.

Todos têm a sua história de Natal, e eu também tive a minha. Já não era mais uma criança. O tempo derramara sobre os meus cabelos a tinta branca da velhice. Confesso que já me sorrira muitas vezes o bom Papai Noel. Contudo, naquela noite de Natal que agora me vêm a lembrança, as lágrimas venceram o meu sorriso . . .

Em casa, tudo era alegria. Eu e o meu único netinho, toda razão da minha existência, tínhamos nos incumbido de ornamentar a nossa árvore santa. Eu com o meu esforço, deliciando-me com as diabruras daquela criaturinha que não cansava de brincar, alheia às cruéis artimanhas do destino. Para ele, o céu era sempre azul, os sonhos todos cor-de-rosa. A criança se deleitava em olhar os multicoloridos enfeites que ornamentavam a nossa árvore. Dançavam as cores numa visão maravilhosa e os seus pequeninos olhos bailavam com elas. Assim, ficamos os dois, sempre juntos, vendo morrer o sol, cair a tarde e erguer-se o crepúsculo no horizonte distante. Quando as últimas impressões do rosicler nos abandonaram e a sombra da noite nos cobriu , o meu netinho, que ignorava - tão pequenino era - a sua partida para o céu, que se achava tão próxima, semi-cerrando os olhinhos, tonto de sono, segurou-me a mão velha e calejada, conduzindo ao seu leito - uma caminha diminuta - à espera de “boa noite” que, invariavelmente, o vovô lhe dava. Vieram o sono do netinho e as lágrimas do avô.

*

Não sei bem, já não me recordo - pois tudo se esquece aqui neste lugar - quantas badaladas soaram no silêncio daquela noite de Natal. Me lembro apenas que pedi a Deus, com todas as forças do meu velho coração, que me trouxesse a morte, único consolo que poderia restar-me. Teria, meu Deus, de assistir à partida daquele que era a razão de todos os meus desejos, a luz que banhava os meus olhos quase cegos de velhice?

Chorar,,, nem lágrimas me restavam ! Buscava, inutilmente, iludir-me, debatendo-me em ânsia louca contra os laços da dura realidade. Que me restava esperar além da morte ?

Com as forças que pude juntar no meu peito esmagado pela dor, supliquei pelo meu fim, querendo fechar para sempre os meus olhos a tão ingrato destino.

*

Os anjos, com os seus hinos celestes, guiados pelas estrelas, vieram buscar o meu netinho agonizante.

Mas Deus me ouviu na minha última noite de Natal. Não sei quanto tempo ainda vivi, mas quando os anjos chegaram eu já estava morto.

20.12.51.