Lágrimas, minhas amigas

Numa daquelas tardes solitárias, que todos nós, um dia conhecemos, estava eu, com o olhar perdido num céu que assumia o tom avermelhado e que contribuía para a melancolia que insistia em visitar meu coração. Coisa estranha esta tal alma humana, que faz do homem seu escravo e toma conta de cada pensamento. Quando se quer entendê-la, encontra-se uma imensidão, uma tal complexidade, jamais compreendida. E meus pensamentos iam correndo soltos, levando consigo um pouco de mim, para longe, onde meu olhar não podia alcançar. E as lágrimas corriam soltas, como a dizer que aquela melancolia não pertencia a este mundo. Vinha de terras tão distantes... Produziam desconhecidos frutos... Em vão desejaria conhecer seus sabores, controlar seus efeitos.

E lá ia eu, tentando dominar a mais longínqua intimidade de minha própria alma. Coisa difícil, bem difícil de se conseguir. Refletia, também com ilusão, que bem mais fácil seria avaliar o que sente outra pessoa, por não perceber a infinidade de sentimentos que lhe são inerentes. E com ingenuidade, então concluía conhecer-lhe os segredos. Comigo mesma não, dava-me impressão que, por mais que quisesse mergulhar em meu íntimo, sentia-me cada vez mais perdida num universo que me enviava mensagens indecifráveis. E a consciência de tal insucesso me deixava perdida em horizonte desconhecido.

Que tinha eu, para poder iniciar esta viagem de destino tão imprevisível? Sim, possuía minhas lágrimas. Lágrimas de dor, lágrimas de alegria, lágrimas de emoção, lágrimas... Lágrimas... Quantas lágrimas... E então me perguntava quantas e quem seriam elas. Pensava que eram minha amigas por me dizerem de tudo que sentia, do pouco que conhecia, das emoções, estas mais experimentadas do que percebidas. Sim, minhas amigas lágrimas, por que chegavam tão de mansinho, banhando meus olhos num mar de emoção, e fazendo-me tão vulnerável a meus sentimentos?

Decidi chegar mais próximo delas, tocá-las, conhecê-las, e... Identificá-las, desfrutar uma intimidade que, há muito, desejava. Comecei a contar uma por uma, almejava descobrir do que me falavam.

Minha primeira lágrima, depois de tanta reflexão, saiu pesada, definida, forte e bastante marcante. Falava-me de minha infância, de um quintal tão distante, chamava-se saudade. Pedia-lhe então para não mais me visitar. Mas não estava tão convencida disto. Era bom recordar, sentir o sol em minha face, poder gritar, sorrir, sonhar... Era bom, era muito bom. Sentir a presença forte de meu pai e minha mãe, sempre por perto, meus irmãos em total alegria, em época que não mais conheciam da vida, do que seus sonhos infantis. Sabor de uma infância, a minha infância.

Minha segunda lágrima chamava-se medo. Eu havia crescido e um mundo lá fora me esperava, além, muito além, daquele verde portão. Um mundo a conquistar, um futuro a cuidar. E eu, os passos cambaleantes, seguia em frente. Não conseguia, no entanto, vislumbrar o destino. Isto me assustava e me fascinava. O medo então aparecia, querendo minar minhas forças, aconselhando retroceder. Eu, então, por vezes parava, olhava para trás. Queria ter a certeza que meu passado estava ali. E continuava, levando comigo meus sonhos e rejeitando o domínio daquele medo.

Minha terceira lágrima chamava-se emoção. Era doce, quente, terna. Envolvia-me com seu calor, mostrava-me minha vida. Era como se pudesse tocar meu coração. Enchia-me de alegria e se misturava com meus sorrisos. Falava-me mais de minha maturidade, do caminho percorrido, dos sonhos realizados, de meus filhos. Meus filhos... Esse amor, completo, cristalino e devastador, fazendo-me uma nova mulher, mais forte, colocando o medo de lado, fazendo-me caminhar, os passos decididos, quem diria...

E assim eu ia contando minhas lágrimas, e conhecendo um pouco de minha alma. Não muito, mas me trazia uma sensação de paz, de luz. Elas insistiam em se fazer presentes, mas eu não mais as rejeitava. Que viessem as lágrimas! Eu as receberia, procurando-lhes decifrar as mensagens. Agora me falavam de Deus. Olhei então para o céu. A idéia deste Deus invadiu meu coração e uma onda de confiança tomou conta de todo o meu ser. Sabia que muitas seriam ainda as quedas, muitas lágrimas ainda haveria de contar e eu, naquele momento as ofertava a Deus. Já era noite e o vento que soprava lá fora, chegou de mansinho, envolveu-me e me levou por meus sonhos, meus anseios, minha tristezas e alegrias, e principalmente por aquela confiança. Levou-me para longe, muito longe, e aí eu encontrei a paz.