A VIA-CRÚCIS DE UMA POUPANÇA

Hoje, uma segunda-feira, acordo feliz. Finalmente eu vou abrir uma poupança para mim. Que maravilha! Depois de meio século, uma poupança em meu nome. Levanto cantarolando, escovo os dentes, faço a barba, tomo um banho, escolho uma “pareia” de roupa mais apresentável, derramo perfume por cima, sento à mesa e me encho de pão com café.

Como havia combinado com a minha digníssima, resolvo que a melhor agência para se abrir uma poupança é na que eu recebo meus proventos. Antes de sair de casa, reviso o que tenho que levar: identidade, CPF, comprovante de residência – originais para tirar xerox - e o dinheiro para abrir a caderneta. O valor mínimo, é claro.

No centro, aproveito o pouco movimento e entro na agência escolhida. Eram 09h00min da manhã. Nenhum sinal de atendimento ainda. Claro! Atendimento somente a partir de 11h00min. Mas, eu precisava de uma informação. Por sorte, um funcionário vinha chegando.

- Bom dia, senhor, por gentileza uma informação... (o referido funcionário me olhou estranho, mas como todo bancário que se preza, prontamente me atendeu).

- Pois não, o que o senhor deseja?

- Eu queria abrir uma poupança aqui na agência. Acontece que já sou correntista, recebo meus proventos aqui. É possível transformar minha conta em conta de poupança também?

- A sua conta já é poupança também, me disse o distinto e solícito funcionário. Basta o senhor, na hora do depósito, no caixa eletrônico, usar a variação 1.

Agradeci e saí feliz da vida. Já era meio caminho andado. Não precisava esperar a agência abrir, pegar uma senha, ir ao primeiro andar, esperar a minha vez, etc. e tal.

Com as informações em mãos (desculpem, em mente), eu aproveitei a brisa fresca da manhã e fui comprar um cartucho de tinta para minha impressora. Na volta, passei na Secretaria Regional de Educação e depois fui ao caixa eletrônico da outra agência do mesmo banco, essa, perto de onde eu estava. Lá, segui todas as regras de orientação que havia recebido. Cartão, envelope, valor, variação 1 e... CONTA INEXISTENTE. Na hora, eu achei que havia errado alguma coisa. Refiz o caminho: mesmo resultado.

Por sorte (ela sempre anda ao meu lado), neste momento, o funcionário que faz o atendimento nos caixas vinha passando e eu lhe informei do que estava acontecendo. Ele pegou meu cartão, olhou, olhou e disse:

- Sua agência é a outra. Se fosse aqui eu liberava logo para que o senhor pudesse usar também como poupança. Mas, o senhor vá à outra agência que o funcionário, de lá, que exerce esta mesma função, fará o que estou dizendo.

Agradeci, botei o envelope na bolsa, peguei o carro e me dirigi à agência primeira. Quando cheguei lá, duas filas: uma para entrar, outra para informações. Fiquei na segunda. Nisso, a hora foi passando, 10h30min, 11h00min. Aí, um incidente: o funcionário, que estava organizando a entrada das pessoas, perdeu a paciência com os idosos da fila, deu um murro no birô - onde se encontrava o computador de retirar senhas, vociferou, mandou os mesmos reclamarem com a gerência, pois ele não tinha medo de nada e continuou atendendo com uma cara que dava até medo de olhar. Eu, na outra fila, já fiquei receoso. Às 11h30min, finalmente, eu fui atendido. Adivinhem por quem? Sim, pelo estressado funcionário. Expliquei-lhe o meu problema. Ele ouviu e sentenciou:

- Olha, o senhor precisa ir para essa outra fila e pegar uma senha. Depois o senhor sobe para o primeiro andar e lá abre uma poupança. O senhor precisa ter RG, CPF e Comprovante de Residência – original e xerox.

Resignadamente, eu aceitei. Já estava indo para a outra fila (por sinal, imensa), quando ele me perguntou:

- Qual o bairro que o senhor mora?

- Boa Vista, respondi.

- Então, disse ele, eu aconselho o senhor a fazer a poupança na outra agência.

Pronto! Lá vou eu, outra vez, para a agência de onde tinha vindo. Fui. Quando estacionei o carro, aproveitei e tirei as xerox que precisava.
Chegando ao estabelecimento bancário, os mesmos procedimentos: pegar uma fila e, na porta de entrada da mesma, uma moça perguntando o que as pessoas iam fazer na agência. Na minha vez, eu disse: poupança. Ela me perguntou:

- Está com os documentos?

Sim, respondi mostrando as xerox.

Ela olhou e disse:

- O comprovante de residência é frente e verso.

Olhei o mesmo. Estava só o lado onde aparecia meu nome e endereço. Do outro lado, era quantidade de quilowatt-hora (kWh) que havia gasto durante o mês, o valor e a data de pagamento. Mas, ainda conservando o bom humor, peguei a senha que ela me ofereceu e fui, novamente, a uma copiadora para tirar frente e verso do referido documento.

Na volta, depois de ser barrado duas vezes pelo sensor da porta eletrônica, deixar celular na caixinha dos guardas, ter a bolsa aberta e revistada, finalmente, eu entrei. O rapaz que havia me dado a informação primeira, me olhou de soslaio. Subi, como faria na outra agência, para o primeiro andar. Senha R030. Estava na R014. 12h30min, R015, R016... 13h30min, R030! Minha vez havia chegado!

- Boa tarde, cidadão! - disse o meu atendente.

- Boa tarde! - respondi com uma alegria de fazer inveja à minha fome, ao meu cansaço e à dor de cabeça que teimava em querer me fazer perder a mesma.

- Em que posso lhe servir? – continuou ele.

- Eu quero abrir uma poupança, respondi cheio de confiança.

- Trouxe os documentos?

- Sim, estão aqui: originais e xerox.

Quando ele passou a olhar os documentos, juro que eu já previ um aborrecimento.

- Cadê o comprovante de rendimentos? – interrogou ele, como se a falta do comprovante fosse algo do outro mundo.

- Cidadão, disse eu, ninguém aqui ou na outra agência me informou que se fazia necessário, também, um comprovante de rendimentos para eu poder abrir uma conta de poupança. Se o senhor puder me escutar eu vou lhe contar uma pequena estória... E contei tintim por tintim todo o enredo. Ele ouviu. Quando eu terminei, ele disse:

- O senhor sabe que agora é só para abrir uma pré-conta, não sabe? Depois o senhor, daqui a dois dias, vem aqui, pega uma fila, depois a senha, sobe, espera sua vez, assina os papéis e faz o depósito, ali naquela fila – disse ele apontando umas trinta pessoas sentadas esperando a vez de serem chamadas – ou lá embaixo, nos caixas eletrônicos, do valor estipulado.

Juro que eu, pela primeira vez, desanimei. Olhei para o prestativo funcionário, aspirei forte – para não perder o que temos de mais importante na vida – e lhe disse, calmamente:

- Meu patrão, eu só quero abrir uma poupança. Será possível que eu sendo correntista deste banco, portanto, com cadastro, mais os meus documentos, as xerox, o comprovante de residência e o dinheiro a ser depositado, não dá para abrir uma poupança?

Acho que ele se condoeu da situação. Levantou-se, foi falar com uma senhora que estava em um birô mais na frente e, quando voltou, me disse que ele havia conseguido liberar para eu fazer logo o depósito naquela hora. Uma glória! Você ir a uma agência de banco para abrir uma poupança e depois de várias horas – e idas e vindas – o próprio funcionário lhe dizer que havia conseguido para você – como se fosse um favor – que você podia fazer a poupança, era o máximo!

Bem para encurtar a conversa, depois que ele digitou lá os meus dados e me fez dizer um nome de uma pessoa – com o telefone - que servisse de “avalista”, eu pude descer, ir aos caixas eletrônicos e, enfim, depositar o dinheiro da minha caderneta de poupança!

Eram 14h00min.




 

Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 23/08/2009
Reeditado em 06/12/2011
Código do texto: T1769662
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.