CRÔNICA ECOLÓGICA

Eram dez horas de um dia de sol esplendoroso. A natureza criava condições de felicidade íntima nos seres que abriga em seu habitat. Todos os seres, animados e inanimados cumpriam, à risca, suas tarefas. Eu, também filho dessa mesma mãe natureza, de quem cuido receber os carinhos preservando-a de danos a meu alcance contornar, respirei fundo o ar puro que, em lufadas, ela punha em minhas narinas. Essa mãe nos dá, gratuitamente, tudo o que necessitamos para nossa sobrevivência. Mas ela, e com rigor, cobra-nos cuidados especiais para com todos os elementos a nosso dispor. É assim que a mãe de todas as artes protege seus filhos, mesmo os que dela desviam-se em aventuras extra curriculares e fogem ao normal. E cobra esse trabalho do seu filho maior – o homo sapiens. Nada mais justo e coerente do que cumprirmos sua vontade. Afinal, é dela que recebemos tantos benefícios a quantos nos habilitamos diligentemente. Castiga seus filhos com a negativa quando ingrato for nosso pedido ou quando ingratas as prerrogativas do destino; adversas forem as condições climáticas.

Nesta linda manhã senti o cheiro do dever rondando as narinas e ouvi-lhe o clamor – os latidos ensurdecedores dos cães no canil. Senti, por instinto, que havia uma tarefa a cumprir. A natureza cobrava-me minha parcela de colaboração. E, com a de acalmar os cães, conduzi-me ao canil e, qual não foi minha surpresa ao deparar com um gambá (raposa). Em sua fúria pela presença de um animal estranho ao seu convívio, os cães não o estraçalharam por motivos óbvios. Em seu instinto de conservação o gambá driblara a fúria dos seus inimigos naturais e trepara por uma grade de janela a seu alcance, onde se equilibrara boa parte da noite, até o amanhecer... e os cachorros querendo-lhe o couro.

Este fato proporcionou-me, para meu gáudio, oportunidade ímpar de pôr em prática um dos mandamentos da natureza – devolver-lhe o filho que se desgarrara. E o fiz em grande estilo. Conduzi o animalzinho em meu carro até a mata nativa mais próxima do bairro, distante cinco quilômetros, aproximadamente.

Fomos recebidos, eu e o gambá, pela filarmônica da floresta, regida pelo maestro sabiá. Abri o porta-malas e retirei dele o saco de ráfia onde metera o fujão. Após momentos de respeitoso silêncio, enquanto ouvíamos a execução do hino da natureza, abri o saco. Após a salva de palmas do vento, entreguei o malcheiroso viajante para o longo abraço da mãe natureza, sob profusos aplausos da minha consciência e os agradecimentos dos elementos que compõe o planeta.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 24/08/2009
Código do texto: T1771316
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