Domingo na praia

Não existe nada que se compare a uma boa praia num domingo de sol e céu azul. Tudo começa logo cedo, com sua família acordando-lhe às seis da manhã (tendo você trabalhado até ao entardecer de sábado) para aproveitarem ao máximo o dia ensolarado. A princípio você enrola, demora a se levantar, acorrentado por Morfeus ao seu leito. Mas depois que o terceiro filho cai de joelhos na sua barriga após um duplo mortal carpado, sua disposição aumenta na proporção direta das dores nos seus rins.

Após levantar-se e jogar água fria nos rosto, para certificar-se de que realmente esta acordado, a direção natural a ser tomada é o da mesa do café. Lá chegando você nota, para sua felicidade, que sua família devorou três bisnagas, 300 gr de presunto, 400 gr de queijo prato, uma trança doce e sorveu o bule de café e um litro de leite. Restaram-lhe o resto do suco de maracujá e umas bolachas de água e sal. Tudo bem, tudo em prol da alegria familiar.

Uma das partes mais empolgantes da aventura dominical é a arrumação para a praia. Em trinta segundos (o tempo de colocar a sunga) você esta pronto e em stand by, já os demais membros da família (esposa, três filhos, mãe, sogra e cunhada) transformam este momento num daqueles documentários monótonos sobre a arte barroca no setecentos colonial, ou seja, no mínimo duas horas de sofrimento e penosa angústia. Sua esposa teima que o sunquine esta apertado, suas filhas experimentam todos os biquínis e não gostam de nenhum, a sogra desaprova o maiô que lhe fora comprado de presente no dia anterior, sua mãe se insurge porque não ganhou um maiô, seu filho faz cocô na sunga e chora para alguém limpá-lo e sua cunhada recusa-se a limpá-lo. A situação é tão complexa que somente a teoria do caos dá conta.

Finalmente a partida, quer dizer, quase. Falta enfiar no carro o isopor, as pranchas e bóias, as barracas, as cadeiras, inúmeras sacolas com farnel variado e dezenas de toalhas, brinquedos, baldes, piscininha, roupas extras e mais uma infinidade de badulaques. Pronto! Quer dizer, quase. Falta enfiar três crianças e cinco adultos no carro, tarefa relativamente simples, se não houvesse a necessidade de dirigir o veículo após todos entrarem. Após um difícil exercício de logística e distribuição esta tudo pronto. Quer dizer, quase. Falta voltar em casa para pegar meia dúzia de não-sei-o-quê que esqueceram e levar a mais nova que cismou que quer beber água. Enfim, tudo pronto. Partimos.

É nesse ponto que sua pretensa erudição resume o que será o restante do dia, lembrando-se da frase inscrita nos portões do inferno de Dante: “abandonai aqui toda a esperança”. Enfim, é a vida.

Tudo caminha bem até esse ponto, sogra e esposa trocam receitas, sua mãe ronca como um motor V8, sua cunhada reclama do calor, seus filhos gritam como hienas na savana africana ao mesmo tempo em que se revezam escoiceando as costas da sua poltrona, de forma a criar um clima de paz e relaxamento para você que esta dirigindo num trânsito que flui como uma artéria entupida de colesterol. Tudo é alegria, seus filhos até param de gritar e passam a cantar em coro, no seu ouvido, a mesma música da Xuxa repetidas vezes, como num mantra psicodélico, acompanhando a sinfonia de buzinas que teimam em ser tocadas, como se o barulho tivesse alguma propriedade mágica de desintegrar uns quinhentos carros para que os demais voltassem a andar.

Após duas horas presos no trânsito, tentando entender que prazer pode redundar disso, chegamos ao destino final, a praia. Damos umas três voltas até que finalmente surge uma vaga, distante uns duzentos metros da onde sua família quer ficar (eles nem ligam, afinal você é quem vai fazer dez viagens de ida e volta carregando a bagagem). A vaga é bem apertada, e após algumas idas e vindas, o carro encaixa. Logo aparece do nada um flanelinha. Devia estar escondido em algum canto para não lhe ajudar a estacionar naquela vaga-kitinete. Chega e já vai mandando: _ Patrão, deixa o do café logo aí, pode ser? Você que não é bobo nem nada, e não deseja ver na volta da praia a pintura do seu carro parecendo Guernica de Picasso, deixa logo cinco pratas para o fulano não encrencar.

Quando finalmente você consegue trazer para a areia a última bóia do Mickey, armar todas as barracas no espaço ínfimo que sua família escolheu para ficar (próximo ao mar, distante do quiosque e praticamente entre dois jogadores de frescobol) e já esta prestes a sentar numa esteira (pois todas as cadeiras já foram ocupadas), seus filhos decidem que é hora de encher a piscininha. Vinte e cinco baldes de quinze litros depois, sua coluna ardendo mais que uma caldeira de siderúrgica, você se atira na esteira, já coberta por uma espessa camada de areia que seu filho atirou sobre ela, e começa a relaxar. Tudo ótimo, famíla feliz, você contempla o mar por exatos quarenta e cinco segundos até que sua amantíssima senhora começa a fazer os pedidos de comida e bebida (sabe o farnel que você trouxe? Pois é, nada será tocado). Você se levanta e tenta chamar o menino do quiosque, mas a distância é tão grande que ele pensa que você esta fazendo tai chi chuan e nem liga para seus acenos. Você desiste e vai até o quiosque, faz os pedidos, aguarda meia hora e leva tudo para sua família. Educadamente eles devoram tudo em questões de segundos, como se estivessem perdidos do Saara a dias e tivessem sido resgatados por alguma tribo berbere e levados para um oásis de fartura.

E o domingo segue se arrastando.

Depois de correr atrás das crianças o dia inteiro, recorrer ao salva-vidas para achar sua sogra que se perdeu, agüentar sua cunhada continuar a reclamar do calor em plena praia, sua mãe implicando com as crianças da barraca ao lado e sua esposa fazendo cara feia para este episódio, chega a hora de voltar para casa. Deus seja louvado.

A volta também é outro momento ímpar. As crianças têm areia em orifícios que você desconhecia, sua sogra é arrastada da areia pela sua cunhada, pela sua esposa e pela sua mãe, lembrando o resgate de um cachalote pelo green peace, sua cunhada dando graças e você com o sentimento de um soldado que cumpriu seu dever junto a pátria, lutou e venceu a guerra.

O Trânsito continua infernal no retorno para casa, mas o tempo mais fresco ameniza o sofrimento, as crianças cansadas dormem como anjos, a sogra lembra que fez um bolo maravilhoso, aquele que você mais gosta, sua cunhada respira aliviada dentro do carro com o ar-condicionado ligado, sua mãe cantarola tranqüilamente e sua esposa lhe sorri agradecida por você ter se mantido são naquele hospício.

Chegando em casa você nem liga em ser o último a tomar banho, senta-se na varanda e acende o cachimbo, baforando em paz com o espírito ancestral que guarda os pais. Por fim, sua vez de banhar-se. Ao entrar no banheiro este se assemelha a um pântano da Louisiana, você teme inclusive que algum crocodilo saia num repente pelo ralo e lhe coma os pés. Para piorar, sua esposa grita-lhe: _ Não esquece de enxugar o banheiro depois que acabar, heim!

Assim, tudo termina como começou, com a família feliz.