FILHOTE DE PAPAI NOEL

Nós sempre tivemos Papai Noel. Lembro-me de quando se aproximava a época os mais velhos ficavam lembrando do dia, criando um ambiente de expectativa para nós ficarmos excitados com a visita próxima.

Havia na casa do vovô um quartinho que correspondia hoje a um closet e para se chegar até ele, tínhamos que atravessar o quarto do casal. Lá se guardava de tudo, desde roupas que não mais se usavam até colchões, cobertores e por ai adiante. Era na janela desse quarto que nós colocávamos nossos sapatos para o Papai Noel deixar os presentes que invariavelmente ganhávamos naquela data.

Não sei porque todo fato mais extraordinário na minha família era sempre acontecido na casa da vovó. Adoecia alguém; casa da vovó. Mamãe ia ganhar outro filho; pimba! Casa da vovó! Aniversários, Natal, Semana Santa, visita de políticos em época de eleição (já existia sim senhor!); casa da vovó! Ah! Se ameaçava tempestade altas horas da madrugada; casa da vovó e com Diva, minha irmã, berrando estrada afora. Êta ferro, sô!

Engraçado: eu não me lembro dos presentes que ganhei. Recordo-me muito bem de um velocípede azul, presente do meu pai, mas ele chegou pelo caminhão do leite, não foi papai Noel quem trouxe. Um dia eu fui fazer uma curva muito fechada, de pé em baixo e ele quebrou. Duquinha, um maluquinho que existia por lá e do qual eu tinha verdadeiro pavor, foi quem o consertou. Ele era bárbaro de inteligente, mas, por desgraça ou justamente por isso, maluco. Pena!

Num final daquele ano meu pai levou-me a Macuco. Não disse o que faria lá nem eu fiquei interessado em saber, bastava a viagem, coisa não muito frequente naquela época. Quando chegamos, revelou-me ser ele Papai Noel e eu já estando crescido, não poderia ficar enganado a vida toda. Pediu-me para não contar para as minhas irmãs menores, mas nós estávamos ali para comprar os presentes delas.

Pô! Trauma no menino? Que nada! Fiquei com um baita orgulho sabedor que o meu pai era o Papai Noel. Mas reparem: para mim ele era o velho Noel de todas as crianças; o único e eu, em consequência, o seu filhote. Imaginei que nós estivéssemos ali para iniciar o meu aprendizado de futuro velhinho das épocas dos Natais futuros. Seria o máximo!

Partimos para a loja do seu Taveira. Ele, grandão, barrigudo, andava na frente, mas sem a barba branca. Não perguntei por que ele não a tinha; seguia-o trotando atrás, sentindo-me já vestido com aquelas roupas vermelhas, botas pretas e... Lá fomos nós!

Não me recordo quais foram os brinquedos adquiridos e nada do que se passou ali dentro. Estava por demais honrado com aquela revelação. Mais tarde ele me disse que eu também ganharia presentes. Deu-me um livro cujo título era “Rapazes pobres que venceram na vida”. Tratava-se de um livro de biografias de pessoas como Henry Ford, Thomas Edison e muitos outros. Um especialmente muito me impressionou pela tenacidade, pela força interna da busca, da crença em uma ideia, quando bolou a maneira de esmaltar a louça. Chegou a queimar os móveis da sua própria casa, mas conseguiu.

Todos ficaram muito ricos, coisa um tanto esdrúxula, como se ficar rico fosse sinônimo de vencer e estar pobre, de vencido, de derrotado. (Deve ter sido escrito por algum Americano do Norte). Se assim fosse, Madre Theresa de Calcutá passou toda a sua vida acumulando fracassos e derrotas, pagando mico em cima de mico, enquanto aquele político, acertando um montão de vezes na loteria e, segundo ele, com a ajuda de Deus, seria um vencedor. Estranho! Muito estranho! Ô! Mundo cão!

Por fim, pediu-me para escolher uma caneta na vitrine da loja. Optei por uma bastante colorida, pena e vistas de metal amarelo que julguei fossem de ouro. Meu pai rabiscou também alguma coisa, fechou, colocou no meu bolso e prendeu-a com o clipe. Dei várias peitadas nos outros pela rua, pois volta e meia ficava olhando para baixo na direção do bolso para apreciar a caneta magnífica. E eu crente estar em treinamento para ser o futuro Papai Noel de todas as crianças.

Cresci, casei-me, tive filhos. Havia chegada a hora para me qualificar, colocar meu aprendizado à prova, ser um Bom Velhinho tanto quanto fora meu pai. Ao menos dos meus próprios filhos. Ah! Mas eu me casei com a Isa... Ela me deu o maior banho no trato de criar, educar, dirigir um lar... De tudo ela fez e fez bem, com competência, denodo, amor e com muitas sobras. Continuo envaidecidamente desmoralizado. Mas, para meu consolo, quem, neste mundão de Deus, teve um Papai Noel, foi filhote e aprendiz de Papai Noel e ainda por cima ganhou também uma Mamãe Noel? Fiau! Fiau!

Feliz Natal! Hô! Hô! Hô!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 01/09/2009
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