Por Nos Faltarem Palavras

Por Nos Faltarem Palavras

Qual de nós não guarda as lembranças de sua santa curiosidade infanto-juvenil?

Quem não recorda as aulas de Ciências, especialmente as experiências de laboratório, quando iniciamos o entendimento sobre a existência de um universo oculto, que não pode ser percebido pelos nossos sentidos?

Aprendemos que todos, animados e inanimados, são constituídos de um verdadeiro sistema “planetário de átomos” que, por sua vez, dividem-se em nêutrons, prótons e elétrons.

Nosso espanto é que aquilo que, no nosso tempo parecia indivisível, os filhos nos ensinaram a existência de outras subdivisões, chegando a ponto de algumas dessas subdivisões entrarem em permanente mutação de matéria para a energia e de energia para a matéria.

Dentro dessa proporção imaginem o que, se ainda vivos, poderíamos aprender com nossos tataranetos?

De forma análoga, é bem provável que nós homens, tenhamos um processo semelhante em que, algumas de nossas partes “indivisíveis” se transmutem permanentemente de corpo para alma e de alma para corpo. O que poderíamos aprender com esses pedaços mutáveis da matéria?

Por outro lado temos algumas informações sobre o oculto que nos envolve e modela nossos comportamentos.

Agora as coisas estão indo muito mais longe. No meu tempo Freud procurava na repressão da libido, na infância, a maioria dos nossos conflitos, hoje a pesquisa chega a outras vidas distantes e passadas.

Onde ficará nos átomos o registro de suas experiências de mutações? Onde ficarão registradas suas experiências dos momentos quando subdivisões do átomo se transformam em energia?

De forma análoga onde ficam registradas nossas experiências quando nos transmutamos em almas?

Como descobrirmos em nós nossos anseios reprimidos, nossos talentos não realizados? Em que ponto do nosso ser se esconde o negro enfurecido, o índio entediado, o amarelo resignado, a mulher reprimida e a criança perdida?

Como conciliar esse universo hereditário de raças e de histórias na personalidade que hoje se apresenta como sendo um de nós?

O grande e mágico momento será quando descobrirmos esse cantinho interior que guarda toda nossa ancestralidade e pudermos, então, captar os registros da nossa existência. Identificaremos e reconheceremos todos os nossos ancestrais.

Escutaremos aqueles que fomos e a síntese daquilo que devemos ser hoje. Do nosso silêncio brotarão vozes e sombras daqueles que fomos: príncipe; plebeu; senhor; escravo; músico; poeta; soldado; freira; prostituta; carcereiro; preso; irmã; filho; pai; mãe etc..., bem como da criança perdida e da parte do sexo oposto, que insistimos em reprimir.

Momento mágico em que o coral de vozes e o colorido das sombras dos nossos “eus” modelam a “síntese”, nossa individualidade, prontinha para poder religar-se ao universo e falar com Deus.

“Desatando os Nós” são rimas, ou melhor, são súplicas de perdão: aos nossos ancestrais, por não atendermos seus apelos e mantê-los em cativeiro; a nós mesmos, por não nos permitir a magia desse “Momento” e a Deus por nos faltarem as palavras......

Desatando os Nós

No interior de todos nós,

se esconde um negro enfurecido,

por não lhe emprestarmos a voz

para seu grito oprimido,

por não lhe emprestarmos as pernas

para o seu gol de domingo,

por nossas mãos e mentes vazias.

No íntimo de cada um de nós,

encontra-se um índio entediado,

por não lhe cedermos os lábios

para seu riso rasgado,

por não lhe estendermos as mãos

para o seu rito sagrado,

por nossas vidas tão sós.

No fundo de todos nós

tem um amarelo resignado,

por não lhe darmos ouvidos

a sua voz do silêncio,

por não lhe fazermos a chama

para queimar seu incenso,

por não desatarmos os nós.

Lá dentro de cada um de nós

tem uma mulher reprimida,

por não lhe darmos os olhos

a sua lágrima sentida,

por não lhe entregarmos o corpo

para sua dança com a vida,

por não confiarmos nos prós.

Num cantinho de todos nós

tem uma criança perdida,

por não lhe darmos os joelhos

para fazer sua ferida,

por não lhe darmos o coração

para a sua doce inocência,

por não termos, como os rios, a certeza da foz.

Dia mágico, quando todos nós:

escutarmos, do silêncio, a voz;

confiarmos nos prós;

desatarmos os nós;

não vivermos tão sós.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 03/09/2009
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