O FINAL DE UM DIA

No metrô, depois de um dia de trabalho estafante, um calor insuportável, observo os outros passageiros, velhos, moços, adolescentes e todos têm a mesma expressão ensimesmada e, como eu, deixam os pensamentos vagarem livres e soltos, os quais, como ondas hertzianas se chocam e entrechocam num emaranhado de idéias confusas e não captáveis.

Viagem monótona. Mais um dia que se vai, mais horas passadas das nossas vidas na viagem inconsciente para o final da existência. Amanhã será outro dia: Para todos? Para alguns? Ou para nenhum? Quem sabe?

Cheguei ao ponto final da linha do metrô. Consulto o endereço, localizo o ônibus, subo e vejo que lá dentro estamos apenas eu o motorista e o cobrador. Ônibus em movimento. Trânsito péssimo. O Motorista fala para cobrador: -estamos atrasados! Você sabe que usar o banheiro é uma aventura, pois além do tempo que se perde na espera, ainda aquela sujeira. Só no caso de grande necessidade. Também, só um banheiro para tanta gente!

Seguimos viagem. O cobrador, pouco mais que um garoto, se vangloria porque a vizinha lhe dá bola. Fanfarronices de jovens, penso. O motorista lhe diz: cuidado rapaz! Muita gente já perdeu a vida por se meter com mulher casada. E a conversa continuava animada entre os dois. O motorista, bem mais velho falava de uma jovem estudante que o estava sempre tentando. Ficava no ponto esperando o seu ônibus e ao subir no veículo o cumprimentava sorrindo e o olhava com aquele olhar de tentação que deixa qualquer homem louco. Mas eu, Deus me livre de entrar numa “fria” dessa, dizia ele. Sou casado, tenho três filhos e entre eles uma menina. Não quero que mais tarde a minha filhinha venha pagar por erros e pecados meus. Que Deus me guarde, para que eu não saia do bom caminho.

Desci no meu ponto e procurei a rua da pessoa que ia visitar. A conversa dos dois me impressionara, pela leviandade própria dos jovens e pela seriedade daquele homem humilde, com relação à moral e aos bons costumes e de sua crença em Deus, mesclada pelo terror de que os filhos paguem pelos erros cometidos pelos pais, para que eles (os pais) sejam castigados.

Andei a esmo e já caia a noite quando encontrei a tal rua, muito esquisita, quase sem iluminação, com pequenas e humildes casas, desalinhadas, que davam a impressão que a rua era torta. Olhei para o céu e não vi a lua. Estava morta, envolto no véu fúnebre das nuvens escuras que a sepultava no firmamento de onde as estrelas haviam desaparecido. Ainda sim, andando aos tropeços, encontrei a casa. Fiquei parada diante da porta, antes de bater ouvi vozes de crianças e curiosa olhei pelo buraco da fechadura e vislumbrei um corredor pouco iluminado. Escutei passos no corredor. Resolvi bater e alguém falou atrás da porta: quem é? E respondi meio assustada, sem me identificar: vim visitar Márcia e o nenê, posso entrar? E uma voz alegre disse, abrindo a porta: entre, por favor, aqui sempre cabe mais um. Entrei e várias crianças me cercavam curiosas. No quarto estava a mãe com o nenê mamando no enorme seio desnudo. Um belo quadro no ambiente de pouca luz. Sempre me enternece essa cena.

Depois dos cumprimentos usuais, ele disse para esposa: - está é a senhora da qual lhe falhei, que todos os dias, à mesma hora, invariavelmente, chova ou faça sol, entra no elevador e fala: -13o ,por favor!

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 05/09/2009
Reeditado em 29/09/2009
Código do texto: T1794604
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.