NOSTÁLGICO ENTARDECER

O sol se punha por trás dos morros cobertos de árvores e nós sentíamos um ventinho fresco que vinha do rio que ficava perto da nossa casa. Meu pai anunciava que iria ao piquete apartar os bezerros das vacas, pois estes não poderiam ficar mamando a noite inteira e dizia que se não fizesse isto as vacas não dariam leite na manhã do outro dia.

Os bezerros já apartados era hora de catar os gravetos para acender o fogo no fogão de barro quando ele acordasse na madrugada do outro dia. Os gravetos eram pedacinhos de madeira ou galhinhos, bem sequinhos, que ele recolhia cuidadosamente do meio das plantações que rodeavam a nossa casa.

Já era bem de noitinha e meu pai descia para o corgo – assim ele dizia – e tomava o seu banho. Quando ele voltava, eu sentia um cheiro suave do sabonete gessy que ele gostava de usar, minha mãe já estava com o chimarrão pronto e sentavam-se para tomá-lo enquanto meu pai tinha sobre os seus joelhos uma grande bacia cheia de espigas de milho que ele debulhando para oferecer às galinhas e aos porcos no dia seguinte, assim que se levantasse.

Quando ele se levantava no outro dia bem cedinho, acendia o fogo, colocava a água para o chimarrão e ia alimentar os animais. Depois voltava para prosseguir com o chimarrão e o café. E com o chimarrão já pronto aí sim, minha mãe se levantava.

Durante todos os anos em que vivi na casa dos meus pais sempre vi o meu pai levantar-se primeiro.

Dentre todas as virtudes que aprendi com ele, as que mais marcaram a minha vida foi valorizar o trabalho, viver deste e respeitar as pessoas.

Já se fazia noite e em frente a nossa casa de barro, coberta de capim, eu e minhas irmãs ajudávamos a debulhar o milho que às vezes de tão duro machucava nossas pequenas mãos.

Nas noites de lua cheia e o céu estrelado ficava tão claro que minha mãe podia ver - sem nenhuma luz artificial - se nossos pés estavam sujos ou limpos. Lembro perfeitamente das estrelas e eu podia identificar a cor de cada uma; brilhavam num resplendor sem fim, eram milhares cobrindo o céu. De vez em quando uma corria e cruzava o céu. Tínhamos a sensação de que poderia cair sobre nós.

Os grilos cantavam acompanhados das cigarras que ficavam nas árvores próximas à singela cerca que rodeava a horta que tínhamos.

Hoje sentada próxima à janela da minha sala - sem televisão ou rádio – ouço grilos e cigarras na árvore da casa do meu vizinho. Há muito tempo eu não ouvia um canto de grilo ou de uma cigarra ao entardecer. Também há muitos anos não vejo estrelas reluzentes no céu. As luzes da cidade encobrem as luzes das estrelas. Sinto um vento fresquinho sacudindo a cortina, parece que é o mesmo vento, o mesmo tempo, o mesmo grilo e a mesma cigarra. Sinto saudade de um tempo que se foi.

É primavera. O vento fresco e suave invade os espaços. Tempo de flores e de amores. Talvez seja por isso que eu sinta tanta saudade do meu pai.

Para suavizar esta nostalgia revivo as palavras de Salomão para sua amada Sulamita “O inverno passou; acabaram-se as chuvas e já se foram. Aparecem as flores na terra, e chegou o tempo de cantar”. Cântico dos Cânticos 2. 11-12.

Vicentina Vasques
Enviado por Vicentina Vasques em 05/09/2009
Reeditado em 06/09/2009
Código do texto: T1794642
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