Meu Amigo Roberto

Roberto era o nome dele, ceguinho, totalmente cegueta, alias deficiente visual, o mais preconceituoso e nojento modo de chamar pessoas com alguma deficiência.

Estudávamos juntos, e por algum motivo ficamos próximos e amigos, mas não por um imperativo de ele ser cego, tem cegos chatos também.

Roberto era corintiano roxo, o que nos trazia algumas discussões acaloradas, pois ao contrário de sua insanidade – ser corintiano – meu time era o palmeiras.

A primeira vez que ele foi com a camisa do corintians na aula, não deixei por menos e começou aí nossa amizade: “não basta ser cego, tem que ser corintiano, o que explica sua opção futebolística”. Os outros alunos me olharam com indignação, outros com desdém, alguns, ódio mesmo, como se tivesse falado algo fora do comum, teria cometido um ato preconceituoso.

Porém, não foi assim à reação do Roberto, pelo contrário foi de um bom humor sem tamanho e percebendo que tinha entendido a minha brincadeira dei segmento ao nosso inicio de amizade.

Antes mesmo de terminar a aula o professor foi até ao quadro negro e escreveu algumas coisas, como estava no fundo da sala gritei para Roberto ler o que estava escrito, pois não estava enxergando, e foi mais um silêncio geral na sala.

No intervalo nos apresentamos e daí em diante foi uma duradoura e bacana amizade nos corredores do curso.

Mas, ainda assim algumas pessoas me olhavam de soslaio pela maneira natural como tratava Roberto, pois não o tratava nem como cego, nem como deficiente e sim como um ser humano normal e capaz, como era.

As pessoas não entendiam, quando Roberto pedia água, recusava a pegar, e dizia para ele, na sua frente três passos, o resto você sabe como faz e não sou seu empregado.

Numa segunda-feira, num dos ápices de meu estarrecimento com Roberto, esse dia quase peguei ela de porrada, ele chega na aula e me chama.

Vou até sua direção comprimento-o e ele começa. Marcão você não sabe, ele com aquela fatídica camisa da gaviões da fiel, me diz, mano fui ver o coringão este final de semana, no Pacaembu.

Dei um tempo, olhei bem pra cara dele e falei: Roberto me olha seu FDP, como você foi ver o coringão no Pacaembu, ta me tirando mano, só falta você dizer que foi dirigindo. Roberto então expressou sua indignação: Marcão sou cego, mais eu vejo por outros sentidos e bateu o sinal pra entrarmos na aula.

Num certo dia, estávamos encostados na parede, preferência de Roberto, adorava ficar encostado na parede, quando falávamos de um monte de coisa, ele me vira e diz: Marcão este final de semana bati todos os recordes do videogame. Olhei bem pra ele e disse: nem vou te falar nada Roberto vamos comer alguma coisa.

No final do ano, e fim de curso tinha uma festa de confraternização numa boate, tudo combinado iríamos nos encontrar. Chegando lá, toda a galera, encontrei Roberto todo animado e fomos nos juntar com alguns colegas. Neste dia na boate tinha um BBB, e estávamos na mesa ao lado do sujeito, que tinha em sua mesa duas garrafas de whisk. Fizemos amizade, e logo nossas mesas estavam juntas e todos tomando o wiskh do rapaz, inclusive e muito Roberto.

Como não percebemos pela agitação, logo todos tomaram um rumo dentro da boate e Roberto ficou a tomar a bebida do BBB.

Por volta das quatro horas da manhã sentimos a falta de Roberto e sai como louco à procura de meu amigo, afinal foi à primeira vez que o vi como cego. Rodei por toda a boate e encontrei Roberto estendido num sofá totalmente embriagado.

Tentei, em vão, acordá-lo, mas consegui fazer com que ficasse de pé e coloquei em meus ombros e fui levá-lo até o banheiro. No banheiro lavei seu rosto, o que fez ele acordar um pouco, seguimos para saída e o levamos para sua casa.

Na segunda-feira, na aula, chega Roberto, com uma cara lavada, mas para não perder a deixa, antes do professor começar a aula pedi a palavra: gente, o Roberto na festa de despedida travou o caneco e sabe que este sujeito me falava quando fui levar ele embora: Marcão não estou vendo nada e cai na gargalhada e pasmem depois de um ano, e sabendo todos de nossa amizade todos riram comigo em uníssono, inclusive e sempre meu amigo Roberto.