A CHICULATERA E O PICUMÃ

Quando o dia começava a clarear, lá pelas quatro, o Kleber já se levantava, acendia o fogo no fogão de barro e descia o barranco do rio para lavar o rosto e escovar os dentes.

Em algumas madrugadas eu levantei-me com ele e o vi acender o fogo. Era interessante ver como o fogo começava nos gravetos. No início era um crepitar quase silencioso que ia aumentando até virar uma chama e depois brilhosas brasas vermelhas.

No entardecer do dia anterior eu havia ajudado-o a catar os gravetos para acender o fogo daquela manhã. Para acender o fogo é preciso preparar antes os gravetos e isto é feito com cuidado. Não é qualquer pauzinho que serve como graveto; estes devem ser pequenos, finos e bem secos. Nunca eram recolhidos na manhã e sim no entardecer do dia anterior, pois não poderiam estar molhados de sereno.

A água do chimarrão era aquecida na chaleira de ferro e quando a Severina levantava o mate já estava pronto. Assim tomavam mate juntos.

Depois vinha o preparo do café. A água era colocada na chiculatera e esta bem em cima das brasas vermelhas. Ele retirava uma tampa da chapa de ferro e introduzia a chiculatera sobre as brasas. Quando a água ameaçava ferver ele retirava a chiculatera, colocava sobre a água fervente três colheres bem cheias de pó de café e mexia. Depois passava no coador de pano.

A chiculatera está sempre coberta de picumã. Para quem não sabe o que é chiculatera, vou explicar: o termo vem do tupi-guarani e designa um utensílio pequeno, geralmente uma lata de óleo envolto com arame que se faz um cabo, o utensílio é colocado diretamente no fogo para ferver água rapidamente. O picumã - termo também oriundo do tupi-guarani - é a fuligem que se forma devido o contato direto com o fogo.

O Kleber dizia que para o café ficar bem gostoso deve-se aquecer a água na chiculatera. E que esta nunca deve ser areada com esponja de aço. Pensando bem não há esponja de aço que dê conta de limpar um utensílio que vai diretamente ao fogo de lenha todos os dias...

A chiculatera coberta de picumã ficava em um dos cantos do fogão à lenha e ninguém poderia encostar nela, pois ficaria marcado de fuligem. Entretanto, segundo o Kleber, este era o segredo de um delicioso café cheiroso e encorpado.

Ainda não sei como ele aprendeu isso... Só sei que funciona.

Vicentina Vasques
Enviado por Vicentina Vasques em 09/09/2009
Código do texto: T1799972
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