...PARA QUANDO A ALMA TIVER LÁGRIMAS PARA TODAS AS DORES...

A criança fora do ônibus chora pela dor estampada de roxo em seus braços, enquanto uma mulher a arrasta pelo cabelo. Perto dali, um cachorro faz valer o seu tamanho e domina em uma briga o seu adversário menor. O ônibus segue viagem e ao parar no farol, vejo um adolescente atirar um tijolo contra a janela lateral de um carro estacionado e rapidamente retirar algo lá de dentro. A pessoa ao meu lado diz com toda a sua sabedoria que deveriam matar esses garotos, pois serão futuros bandidos. Porque as pessoas sempre pensam em combater a criminalidade com outros crimes? Desço do ônibus e vou para o metrô, onde milhares de pessoas compartilham sua solidão em faces desfiguradas de emoção, talvez pelo cansaço, talvez pela falta de tempo para demonstrar alegria. Eu já tive medo desse mau humor coletivo que predomina em ambientes públicos, hoje sorrio de volta para quem conversa comigo olhando para o chão. Eu sei que isso de nada adianta e que não vai trazer nenhum conforto para ninguém, mas esse discurso ficou tão repetitivo que é melhor não dar ouvido. É mais um ônibus e pelo percurso vemos pessoas tirando lama de dentro de suas casas, enquanto curiosos observam atentamente cada gesto e lágrima derramada sem descruzar os braços. Ao chegar em casa e destrancar a porta, uma sensação de alívio invade a mente, mas não limpa por completo as imagens que me incomodaram nas últimas horas. Pode ser que amanhã chegue a ser outro dia, mas que ele venha fantasiado de folga, ou qualquer coisa que o faça ficar menos complicado em sua essência. A vida ainda é possível!