Mãos em greve

_ Ô Saldanha, termina aquele relatório trimestral do setor financeiro pra mim até amanhã, ok?

_ Vai dar não chefe.

_ Como não? Já te pedi há quase uma semana.

_ Sabe o que é chefe, e que minhas mãos estão em greve.

_ Heim?

_ Pois é chefe, começou hoje pela manhã. Elas simplesmente se recusaram a digitar o memorando das 10:15, aquele informando o setor de logística que o consumo de café deveria ser reduzido pela metade.

_ Enlouqueceu Saldanha, o memorando das 10:15 é essencial, só perde em importância pro das 16:45, aquele informando o departamento de vendas que os clipes dourados só chegam semana que vem. Sabe que isso pode custar cabeças aqui na empresa Saldanha?

_ Sei chefe, mas o que é que eu posso fazer, elas se recusam até a me coçar. Veja só, a minha situação, tô com uma coceira na ponta do nariz de enlouquecer desde o almoço, já até pedi pro Niltinho quebrar a minha, mas ele me chamou de maluco e deu de ombros.

_ Saldanha, você há de convir que esse papo de mão fazendo greve é coisa de doido. Você ta tomando algum remédio?

_ Religiosamente chefe. O de pressão ás 8:20, o de arritmia às 8:50 e um rosinha às 9:10.

_ Esse rosinha serve pra que Saldanha?

_ Não me lembro bem chefe, mas acho que é pra memória, ando muito esquecido.

_ Saldanha, assim não dá pra ficar. Já tentou negociar com tuas mãos? Sabe como é, ver as reivindicações e apresentar uma contra-proposta?

_ Chefe, eles estão irredutíveis. Já prometi levá-las a manicure uma vez por semana, comprar creme hidratante da Avon. Prometi até que não ia mais coçar o s... Bem, o senhor sabe.

_ Mas, afinal de contas, o que elas querem Saldanha?

_ Pelo que eu pude averiguar chefe, elas querem apalpar a dona Gertrudes.

_ Que isso Saldanha, a minha secretária?

_ Pois é chefe, também não entendi o porquê. Eu, pessoalmente, não tenho a menor atração pela dona Gertrudes, mas como lhe disse, minhas mãos estão com vontade própria agora.

_ Será que elas voltam ao trabalho se apalparem a dona Gertrudes?

_ Com toda a certeza chefe.

_ Então peraí Saldanha. Dona Gertrudes! Venha cá um momentinho.

_ Pois não, doutor.

_ Dona Gertrudes, as mãos do senhor Saldanha estão em greve, e só voltam ao trabalho se apalparem a senhora. Como bem sabe, o Saldanha é uma figura indispensável ao bom andamento da empresa. Ele é o digitador oficial de memorandos, sem ele a comunicação interdepartamental explode. Por isso, peço-lhe encarecidamente que, em nome da empresa e do seu futuro profissional, permita que as mãos do senhor Saldanha lhe apalpem.

_ Pois não doutor, sabe que um pedido seu é uma ordem cumprida para mim.

_ Saldanha, com delicadeza sim.

_ Não depende mim chefe, mas vou tentar convencê-las a serem educadas.

Após passar uns bons cinco minutos apalpando a dona Gertrudes, Saldanha, ou melhor, as mãos do Saldanha, resolveram voltar ao trabalho para felicidade do chefe. Sentou-se em sua mesa, na baia cinco, e recomeçou a digitar seus memorandos. Em anexo ao memorando número 115, enviado ao setor de vendas, uma mensagem dizia:

"Percival, meti a mão na massa. A história da greve colou. Me deve dois engradados de cerveja". Ass. Saldanha.

CEVDM

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