RECOLHENDO OS GRÃOS PERDIDOS

No tempo da colheita do feijão íamos cedo para a lavoura e ajudávamos o meu pai a arrancar o que já estivesse seco. Os feixes de pés de feijão iam sendo amontoados ao lado da plantação e ao final da tarde levávamos tudo para casa.

Em frente a nossa casa, o meu pai desenrolava dois ou mais couros secos de vaca e estendia sobre a grama e ia dispondo os feixes de feijão para que acabassem de secar sob o sol escaldante durante todo o dia. Ao entardecer os couros eram arrastados para dentro do galpão para que não tomassem sereno durante a noite, assim dizia papai, ou chuva durante a noite.

Ao final de uns dias o feijão já estava seco e a seguir dois pedaços de paus eram atrelados um ao outro e batidos sobre os feixes afim de que os grãos se soltassem das vagens já secas. Assim era debulhado o feijão. Meu pai e minha mãe iam juntando o que já estivesse pronto e colocando em sacos de estopa ou em grandes latas em que haviam comprado querosene.

Dessa forma tínhamos bom feijão carioquinha para comer com arroz durante alguns meses. Meu pai dizia que a safra fora boa e o feijão seria daqueles que ficariam com o caldo grosso e com um sabor delicioso acrescido de carne seca, pés e orelhas de porco, alho frito e manjericão.

No entanto, restava trabalho árduo para nós que ainda éramos crianças. No ato de bater sobre o feijão para debulhá-lo muitos grãos caiam na grama ou na terra e meu pai não admitia que se perdesse nada. E mandava que catássemos um a um cada grão que havia sido deixado para trás. Esse era o nosso pesado trabalho – juntar cada grãozinho perdido.

Eu ficava intrigada com o meu pai e questionava porque teríamos que recolher pequenos grãos caídos e perdidos na grama se já tínhamos sacos e latas cheias? Ele me explicava que esses grãos – muitos até partidos ao meio – também eram importantes e precisavam ser recolhidos.

E relembrando essa história de juntar grãos perdidos quando já se tem sacos cheios, percebo que outros pequenos grãos têm caído ao lado da estrada da nossa vida e nunca voltamos para recolhê-los pelo fato de julgarmos que eles não sejam importantes.

Em busca de crescimento pessoal começamos a nos preparar para enfrentar a vida – é assim que nós falamos - e iniciamos a debulha. Almejamos posições confortáveis como a carreira profissional, o casamento feliz, a família harmoniosa, a situação financeira satisfatória e outras cozitas más. E grãos vão se perdendo pouco a pouco - o telefonema no dia do aniversário ou a palavra animadora no momento do desemprego do outro já não fazem parte das nossas ocupações. E tem mais. Nos momentos das refeições deixamos de esperar pelos familiares para comermos juntos e perguntamos pouco sobre a vida dos demais por temermos imiscuir-se. A corriqueira situação do dia a dia, o volume alto da televisão, não permitem que contemos sobre nós e nem ouçamos o que o outro tem para dizer. E tudo parece normal. São tantos os rumores externos que o coração se cala e grãos vão se perdendo pela estrada fora. E ficamos bem sozinhos, engolidos pelo bicho chamado desamor.

Oxalá tenhamos tempo de juntar o que temos perdido ao longo dessa caminhada.

Vicentina Vasques
Enviado por Vicentina Vasques em 27/09/2009
Código do texto: T1834165
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.