Uma brisa fria

Uma brisa fria agrediu-me o rosto esta manhã quando abri a porta da sala para sair e ir trabalhar. O frio e eu não somos íntimos, na verdade seu toque me causa um certo constrangimento ao provocar arrepios na minha pele e intumescer meus mamilos, simulando uma excitação que não existe. O frio me incomoda ao fazer os pinos no meu joelho fibrilarem como moedas tilintando ao cair no chão. Gosto do calor. Dizem os entendidos no zodíaco que isso se deve ao meu signo, escorpião, um animal dos desertos, da secura e da aridez. Nada entendo de horóscopo e seus congêneres, sei apenas que gosto do calor. Mas hoje o dia esta especialmente frio.

Coloquei toda a maldita armadura de panos grossos e saí para a rua. Trabalho a umas três quadras da minha casa, uma caminhada de pouco mais de cinco minutos. Cinco terríveis minutos no frio. A brisa se metamorfoseou em vento, e de tapas passou a esbofetear-me impiedosamente. Peguei-me imaginando como podiam viver os esquimós, em meio a tanto gelo, a tanto frio, a tanta brancura. Melville, em Moby Dick, dedicou um capítulo inteiro a historicizar a brancura e o terror por trás dela. A brancura e o frio são irmãos, bastardos intoleráveis.

Cada passo dado era uma pequena vitória comemorada interiormente, pois sabia que no meu destino aguardavam cômodos aquecidos, resguardados daquele afago gélido, onde eu me sentiria bem, seguro, como no útero materno. O frio tem esse poder em mim, desperta emoções freudianos de perda e segurança. Engraçado é que não lembro, até onde minha memória alcança, nenhum evento traumático que levasse a essa repulsa declarada pelo frio. Enfim, cada qual com suas idiossincrasias.

Sentia meus dedos do pé doerem, o tênis não é uma boa opção para se sair num dia frio, nem mesmo as meias protegem adequadamente nossos pés. Era como se eu caminhasse em cima de cubinhos de gelo espalhados pela calçada, alfinetando as plantas dos meus pés. Frio insuportável.

Ao avistar meu trabalho, uma alegria quase infantil se apoderou de mim, aquele tipo de alegria ingênua que uma pessoa que está numa situação limítrofe sente ao ser salva do risco eminente de morrer. Parece exagerado, mas o frio me leva a exageros, até mesmo os verborrágicos.

Finalmente cheguei ao trabalho, ao calor das pessoas aglomeradas em espaços pequenos. Sentia-me um neanderthal chegando na caverna após um dia exaustivo de caça, sentando-se em meio ao grupo que se aquecia na fogueira. Aquietei-me e senti a paz invadir minha alma. Eu não tinha mais frio.

CEVDM