ALICE E A CATIXA

Minha netinha passa com a gente a maior parte dos dias da semana. Mora em apartamento e os pais não têm tempo durante a semana de dar-lhe assistência integral. Por esta razão de segunda a sexta ela chega lá pelas nove ou dez horas e somente à noitinha regressa para sua “casinha” como ela denomina seu apartamento. Ah! Companhia confiável para puxamos uma painha depois do almoço. Todos os dias! Por decreto!

A minha casa ocupa parte de um terreno grande e ali há árvores, jardins, algumas plantas frutíferas. Alice atualmente está dividindo com sabiás e sanhaços as amoras madurinhas e referidas por ela como frutinhas. Ao mesmo tempo me ajuda a levar bananas, goiabas ou outras frutas bem maduras para as avezinhas se deliciem numa pequena plataforma alojada no caule de uma palmeira bem em frente à entrada da garagem.

Então ali ela tem a maior parte do terreno nu. Tira seu calçado e anda por lá à vontade; arrebenta cabeça de dedo numa parte empedrada assim como invariavelmente está com os joelhos ralados pelas pedras ou os pezinhos espetados com algum “pim”. Também eu nunca vi nada igual: não para um instante; não anda, corre; pula, dança até com os avisos das caminhonetes de gás ou as sirenes dos carros de bombeiros. Há som, para ela, há dança; remexe o corpinho. De televisão (graças!) até agora ela somente gosta de ver “Discovery Kids”. O duro é a gente - eu, Isa e a Vó Maria - fazer companhia. Avós sofrem. Mas quer saber, penam alegres e felizes por ter uma criaturinha daquela saudável e que pode ainda por os pés na terra viva, brincar com areia, molhar-se toda com a mangueira de irrigar a horta ou o jardim; beber água na boca do tubo de borracha que ela faz questão de segurar; abraçar o cachorro, enfim, ir e vir; viver a vidinha de criança.

Não tem medo de nada. Naturalmente a gente faz o possível para que ela cresça acreditando que este mundo e tudo que nele há são amigos, decentes, são para ser aproveitados por todo ser vivente até o último dia. Depois a gente vê como é o que é e como é que fica. Preocupamos somente com o estar aqui, fazemos o possível para, se não puder ajudar em nada, também não colaborarmos para que tudo se perca. Buscamos não sermos insensatos e que a futura geração possa também tomar esse barco a salvo e com segurança.

Bem já estou fugindo do tema. Um bichinho que aqui existe à beça é a catixa, na linguagem ainda irregular e incompleta de um pequeno ser com menos de dois anos de idade. Então acho que tenho de recorrer ao Aurélio para nos dizer o que poderia ser esse bicho.

Zool. Designação comum a várias espécies de reptis lacertílios, de pequeno porte, esp. geconídeos, com dedos providos de lâminas transversais, adesivas, que lhes permitem subir em paredes lisas, pedreiras ou troncos escorregadios. Cerca de 20 espécies ocorrem no Brasil.

Pois é, adiantou pouco. Você acabou de ler o que venha ser uma lagartixa. Vive nos muros e também vagueando pelo terreno à busca de moscas, formigas e tudo o mais que lhes sirvam de alimento. Desde há muito tempo (se é que posso falar de pouco menos de dois anos seja muito tempo) a Alice convive com elas.

Coisa interessante: parece que os bichos mesmo aqueles mais atrasados na escala evolutiva, como acredito ser as lagartixas, aprendem com o tempo, penso eu. Aliás, eu vivo pensando asneiras, mas não me importo. Não quero deixar o meu cérebro em paz. Pensar, pensar coisas boas, futuristas, nem sempre pensar naquilo que a maioria acha estar ou ser o certo. Discordo de tantas coisas! Sou minoria, logo, devo ser ou estar errado. Vou continuar.

Ontem eu estava tomando conta dela (não é assim que se diz?). Ela brincando com a terrinha, sua designação para uma parte do terreno não coberto com lajotas de pedras. Vi uma grande lagartixa paradinha banhando e se aquecendo ao sol. Mostrei-a.

O inesperado: a minha pequenina e adorada Alice saiu na sua direção. Podem crer. Ligeiramente agachadinha, passinhos miúdos e lentos para não assustar o pequeno réptil. Chegou tão perto e ameaçou tocar com seus dedinhos o rabinho do bicho. Teve medo. Levantou-se, olhou para mim com a cara de quem queria chorar ou não saber como agir. Disse-lhe que ele era maneiro e não lhe faria mal algum. Poderia brincar à vontade. Também ele confiava nela. Que coisa!

Voltou para lá, ficou de cócoras e tentou mais uma vez. Então aconteceu algo digno de um registro para que ela pudesse ver quando adulta fosse. A lagartixa, como acho que todos já sabem, volta e meia movimenta a cabeça para baixo e para cima como nós humanos fazemos o gesto positivo. Pois quando percebi, estava a catixa abanando a cabeça e Alice acompanhando. A catixa fazia e ela repetia, ao mesmo tempo balbuciava alguma coisa que eu não pude entender.

Foi uma pena, pois quando percebi o papo das duas não contive uma alta e estridente gargalhada. A catixa fugiu pro muro. Pois aquela foi a gargalhada mais idiota e inconveniente de toda a minha vida. Não vou esquecer nunca: minha neta e a lagartixa se encontrando e mutuamente se entendendo por gestos nem que esta sensação exista somente na minha cabeça. Lindo! Lindo! Magnífico! Pena você não pudesse estar ali naquele momento. Ficou somente na mente deste que não vai permanecer aqui por muito mais tempo e ninguém mais para partilhar um dos momentos mais lindos de toda a sua existência. Como uma criaturinha de quase dois anos me impressionar tanto! Nunca pensei, nunca mesmo... Ela a cada dia qualifica mais e mais o meu arrependimento de não ter tido tempo de viver de maneira plena a melhor época com os meus filhos.

Terça-feira, 25 de setembro de 2007

Dbadini
Enviado por Dbadini em 01/10/2009
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