Inclusão, o cego e o tortinho pegador

A inclusão, o cego e o tortinho namorador

Antes de me condenarem pelo título, façam a gentileza de lerem até o final. Atualmente, um dos termos da moda do politicamente correto é inclusão. Temos inclusão digital, inclusão alimentar, inclusão de dente ciso, inclusão do indivíduo portador de necessidades especiais e mais um monte de tipos de inclusão. Tenho um amigo que é cego, digo, portador de deficiência visual, ou indivíduo visualmente limítrofe, enfim, ele é cego, que me diz que o que temos não é exemplo de inclusão, mas que se ele tivesse esperado a situação ideal – professores preparados, ruas adequadas, semáforos que apitam, empresas com política de contratação de deficientes -, ele não teria alcançado todas as conquistas que alcançou ao longo da sua vida. E não são poucas: o cara é formado em Ciências Sociais, tudo bem que o FHC também, mas isso não diminui em nada o ofício, mestre na mesma disciplina, funcionário concursado do magistério público básico e professor do ensino superior, e ainda conseguiu casar com uma pessoa maravilhosa, mulher, por incrível que pareça.

De fato, ele tem razão em ambas as observações que faz. Primeiro, o Brasil não esta nem perto de ser uma sociedade inclusiva, pois apesar dos esforços de militantes e de algumas instituições ligadas, em particular, aos deficientes físicos, as políticas públicas para integrar a pessoa que porta alguma limitação são, elas sim, aleijadas. Mas não tenho lá cabedal para me aprofundar nessas questões. Em segundo lugar, ele também tem razão quando afirma que se o deficiente esperar algo do Estado ele não irá avançar em sua vida. Não sei, mas imagino, que não seja nada fácil para uma pessoa cega, ou surda ou paralítica, superar suas limitações e ainda por cima superar os obstáculos impostos por uma sociedade cega, surda e muda em relação a sua situação. Mas tomo esse meu amigo como exemplo, nem sei se devo, porque ele, apesar das dificuldades que enfrentou, contou com o suporte da sua família, coisa que nem todos contam. Ficou cego definitivamente aos dezoito anos, sua última imagem foi um debate entre o Collor e o Lula - pior desgraça que a perda da visão. Lutou e tornou-se um profissional respeitado, e pai recentemente, por incrível que pareça.

Não estou aqui fazendo uma apologia dos deficientes vencedores em detrimento dos deficientes fracassados, essa imagem não existe. Estou apenas observando que esse cara cego que eu conheço optou por não desistir, independente do número de barreiras que encontrava pelo caminho, e para piorar que ele não enxergava.

Ele não é um caso único, minha esposa, professora como eu, contou-me sobre um aluno seu que tem um lado do corpo paralisado e que é um tremendo pegador. Não entendeu a expressão? Namorador, para os mais antiquados. Fez confissões a minha esposa sobre seus casos amorosos, isso mesmo, casos, no plural. A deficiência não lhe tirou o espírito de um jovem da sua idade, não lhe subtraiu o desejo de beijar todas as bocas do mundo e fazer se sabe lá mais o que. Esta no ensino médio, estuda, fica em recuperação, é aprovado, passeia, namora, acerta, faz bobagem, enfim, é gente, como tantos outros. A deficiência não tira a condição humana de ninguém, não lhe faz pior, nem melhor do que qualquer outra pessoa. O que tira a condição humana do deficiente é a indiferença ou o paternalismo, isto sim, limita os avanços da inclusão no país.

CEVDM