CUIDADO ! ACABO DE TIRAR MINHA CARTA DE MOTORISTA

Tirei minha carta de motorista numa época em que uma mulher ao

volante era algo incomum.

Poucos maridos e pouquíssimos pais permitiam que suas esposas ou filhas tocassem nos comandos de um carro, coisa que julgavam estar fora do alcance da habilidade feminina (?).

Dar uma voltinha na rua com o carro do Paizinho ou do Maridão era o máximo!

Ter o seu próprio carro, então, o máximo dos máximos!

Poucas coisas em toda minha vida me deram tanta alegria quanto o Gordini que ganhei do meu marido em 1961.

Naquele tempo o trânsito era risonho e franco.

Nós, as mulheres liberadas, recém adquirido o direito de dirigir, saíamos pela rua, sorridentes e orgulhosas para inveja das que ainda não tinham conseguido a proeza.

As crianças nos apontavam:

- Olha lá, uma mulher guiando!

Os homens, se bem educados, limitavam-se a sacudir desaprovadoramente a cabeça. Se não, gritavam:

- Não tem roupa pra lavar na sua casa? Por que não vai choferar o seu fogão?

É engraçado como o carro muda o comportamento das pessoas. A gente vê a toda hora motoristas se ofenderem de uma forma que nunca o fariam se estivessem a pé.

Tenho certeza de que quem nos abordava desse jeito jamais nos insultaria se cruzasse conosco em uma calçada.

Eu fingia não ouvir. Era atrevida, mas não a ponto de revidar uma provocação.

Tínhamos fama de péssimas motoristas, mas perdíamos longe para os homens no saldo de multas e grandes acidentes. Éramos peritas em raladelas nos carros e nos portões das garagens!

Meu tempo de motorista já passou.

Hoje do banco do carona observo o trânsito tão diferente do daquele tempo, numa cidade que nem parece ser mais a mesma..

O espaço onde, então, trafegavam meia dúzia de carros, hoje é disputado por dezenas (ou serão centenas?)?

Com o desenvolvimento da indústria automobilística, o carro passou a ser accessível para todas as camadas sociais e com a liberação da mulher os homens nem se atrevem mais a dizer que elas não devem dirigir.

O carro tornou-se uma necessidade para ir ao trabalho, fazer compras, levar os filhos à escola.

Antigamente as mulheres que trabalhavam fora, tomavam o ônibus, os maridos levavam as esposas às compras e as crianças iam à escola a pé.

As mulheres modernas compram o seu próprio carro, discutem marcas e preços, vão e vêm por toda parte, mas desconhecem o que seja a emoção de sentar-se ao volante de seu primeiro carro e sair por ai fazendo barbeiragens numa época em que isso era uma aventura sem par.