Leitura e consciência

O convívio com a leitura me persegue desde a infância. Precocemente, fui conduzido à alfabetização, em casa mesmo. Incentivado pelo meu pai fui, pouco a pouco, vindo a conhecer rudimentos de humanidades, identificando Estados Brasileiros como gotas de óleo no escuro do caldinho de feijão...

Depois, vieram os livros da família e revistas semanais como Realidade, Cruzeiro, Manchete e tantas outras que fizeram sucesso nos idos dos anos sessenta.

Lembro-me, claramente, que folheei “Eram os deuses astronautas?”, de Erich Von Daniken, com a idade de nove anos. Naturalmente, li escondido, pois era literatura não indicada para um menino nesta precoce idade. Passei, rapidamente, aos romances juvenis como Robinsón Crusóe e outros do gênero. Infelizmente, Drummond teve a idéia primeiro e legou seu poema inesquecível...

A conseqüência de passar de leitor a produtor de algumas mal traçadas linhas, acabou sendo natural. Menino introvertido, usava a folha de papel para nela verter meus dramas e indagações adolescentes.

Pelos meus dezoito anos, uma consciência crítica já instalada me instou a buscar a face social com mais intensidade. Isto coincidiu com o ingresso na Faculdade de Comunicação, na leitura das páginas amarelas da Revista Veja (a produzida nos anos setenta, veja bem...) e de programas de televisão como Abertura e aparições periódicas do cineasta Glauber Rocha na telinha. Quanta saudade...

Produzi, então, poemas e contos centrados na tipologia dos desvalidos, dos deserdados e dos discriminados. O país vivia uma época de obscurantismo político, tocar em temas sociais era, diríamos, um exercício de coragem. Tinha um certo ar de clandestinidade...

Nessa época, conheci o poeta e militante político Lacy Osório que com suas palavras de estímulo me fez acreditar que habitava em mim a chama da poesia e que convinha não apagá-la, tão facilmente.

Lancei meu livro, resultado de uma premiação do Instituto Estadual do Livro, no início dos anos noventa e, desde este tempo, venho tendo uma postura mais profissional em relação ao ato de escrever.

Por isso, estranho, atualmente, um grande despreparo da juventude para argumentar com propriedade, expressar suas idéias originais. Estes jovens são ótimos, tecnicamente, porém enfrentam elevada dificuldade em realizar a prova de Redação, no Vestibular.

Sua linguagem é telegráfica. É só observar as mensagens trocadas entre eles via chats da INTERNET ou os comentários em alguma matéria ou blog. É uma profusão de “abs”, “blz”, “findi”, ”qq” e outras expressões, em moldes minimalistas.

A juventude trocou o ato contemplativo de ler pela interação na INTERNET e em seus sucedâneos. Ao invés do livro, o IPOD. Ao revés da revista mais séria, os games e DVDs.

Tudo isso conduziu a um encurtamento da visão humanista. Assim, as atividades ligadas ao conhecimento e reflexão têm, cada vez menos, interessados. Atualmente, cresce o número de engenheiros, tecnólogos de informação e afins.

Em contraponto, venho recentemente de um Congresso de Literatura em Bento Gonçalves, já realizado há dezessete anos, onde poetas e contistas interagem nas escolas e palestras literárias estão abertas ao público. Sempre, sob a batuta do poeta e jornalista Ademir Bacca e equipe.

Neste curto período, a cidade vive uma euforia literária. Poemas são grafitados nas vitrines das lojas, poetas fazem recitais nas praças e escolas são visitadas por grupos literários. Paralelamente, uma antologia poética é lançada, a cada evento

É um belo exemplo que mostra que a semente está lançada. É que é necessário o irmanamento do Poder Público e de setores lideres na comunidade para que projetos deste porte frutifiquem.

Num Brasil com verbas pífias destinadas à Cultura, com uma rede de mídia enfatizando o entretenimento e com escolas e professores vitimados pelo desinteresse estatal e baixos salários, o “vírus” da Cultura tem de ser preservado...

O encontro literário provocou marcas no poeta. Então, deixo, como mensagem final, um breve poema que reflete sobre o livro, a leitura e sua importância vital.

Fiquem com ele...

Antologia

Decifro mitos

nos signos de cada um.

Palavras lançadas

no silêncio.

Como dados & dardos

num golpe de sorte.

Parecem mortas

no papel.

O leitor as ressuscita...

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 16/10/2009
Reeditado em 16/10/2009
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