VIDA

A gente acordava e bebia cerveja barata. De vez em quando vodka nacional, só pra não cair na rotina. Trocava o dia pela noite e as poucas horas de sono eram longe de uma cama com lençol, cobertor e travesseiro. Isso era artigo de luxo. Qualquer canto para cair deitado era ótimo, mesmo porque, a gente só deitava quando não tinha mais forças pra ficar de pé.

Nosso carro era um ônibus. As vezes, quando sobravam uns trocados, um táxi. Nossos amigos eram alcoólatras, irresponsáveis, imaturos e indecentes. Só nos davam apoio quando era pra gente inventar uma desculpa e faltar no trabalho. Éramos fortes, saudáveis e imortais. E apesar disso, uma gripe ainda mais forte e poderosa que a gente insistia em atacar sempre às segundas ou às sextas.

Já acordamos na sarjeta, já acordamos no ponto final do ônibus, já acordamos sem saber onde estávamos. Já não acordamos, justamente por não termos dormido.

A gente vivia com olheiras enormes e a ressaca era pior que o inferno. A luz do dia fazia com que nos sentíssemos verdadeiros vampiros. Doía os olhos, doía a cabeça, doía o corpo. Só não doía a consciência porque isso a gente não tinha mesmo. Era merda atrás de merda. Tivemos amigos que foram presos, amigos que apanharam, amigos que bateram o carro e amigos que perderam o emprego. Tivemos até amigos que não se lembram de porra nenhuma disso. A gente só se fodia.

Mas chegou um dia que finalmente a gente cresceu. A gente começou a levar o trabalho a sério, começou a ganhar dinheiro, a comprar cerveja da melhor qualidade, vodka importada e até uma cama nova. A gente começou a se dar bem na vida. A gente finalmente criou responsabilidade, nunca mais foi preso e agora chega em casa em horários de gente, não falta no trabalho, não arruma confusão e se beber, não dirige. É, a gente finalmente amadureceu. Que merda!