TAL QUAL AS MINHAS HORTÊNSIAS

E então fiquei com cara de flor, tal qual as do retrato: hortênsias que teimavam em não se deteriorar, somente tomando vários tons diferentes e parecendo querer sobreviver ao seu próprio destino. Tal como elas, pareço planta que resiste em canteiro há muito plantado, que já viu tantos sóis e tudo que o céu manda cá pra baixo... e sou soldado nesta luta sem trégua de estar à mercê das intempéries e dos acasos, seria predestinada de alguma sina ou quem sabe choveria em gotas contadas como em conta-gotas, pra sentir bem no fundo as dores e depois fluir para um extasiamento endoidecido? Explodiria como tosse incontrolável de doente incurável dos tempos, catando os cocos das esperanças perdidas, falaria eu com anjos linguagens incognoscíveis de subterrâneos da mente, seria isso estar viva?

A solidão é estar ao lado, e não ao mesmo tempo. A existência apenas paralela ao outro. O existir em mim mesma, e só em mim mesma, tenta decifrar os enigmas colhidos em tantas árvores supostamente reais das paisagens construídas pelos meus sentidos ... Viveria um ciclo vicioso de ilusões sensoriais nos mirabolantes e intrincados movimentos de meus neurônios? A dona de uma verdade provisória detonada a cada virar de página?

Choveu mansamente pelos séculos e as mesmas carnes nascendo tenras e morrendo e virando matéria informe teriam valido a pena? Como se sempre os mesmos olhos olhassem as mesmas coisas; e sangrassem os mesmos corpos e cicatrizassem as feridas e novos e velhos gritos ecoassem tudo por junto nestes céus. E ainda ouvíssemos os mesmos galos na hora em que a Terra dos nossos chãos vira de cara pro lado da luz... Nasci trocentas vezes eu mesma neste nunca chegar no fim da estrada. E vendo o fim da estrada tantas vezes, e era apenas mais uma curva e lá se estendia tanto chão e pó e barro, uma eternidade percorrida a pé, léguas de gentes carregando fardos e buscando um Norte, e na busca era a vida indo, indo... e chegar nem valia a pena...

Enfiei a cara direto na lama das contradições, fiquei coberta desses incômodos de fim de tarde e perguntas não respondidas. Catei nas gavetas cheias de tralhas um caderno de receitas infalíveis contra a tristeza e contra o mal das horas vazias mas como sempre... nunca o encontrando. Sempre e Nunca se tocando nas extremidades do Tempo...

E o que cresce de dentro é sempre extasiamento, sendo dor ou riso. Eu quero me espreguiçar de vontades saciadas, pra não morrer à míngua das barrigas cheias de requentados jantares à luz das velas do tédio. Decretarei feriado nacional para medos e afins, decretarei luto oficial e perene para hipocrisias geradas por boicotes a minha natureza. Esta primavera anunciada me pertence, não abro mão. E não vem a reboque de nenhum conceito oportunista advogando em causa própria, requerendo a autoria. Ela possivelmente vem com muitos anos de atraso, mas vem a contento, sem condições, e vem só. Cavalgarei em sua garupa despida de qualquer dúvida ou presunção. Seremos somente eu e a minha hora, eu comigo mesma, atriz principal do meu enredo, heroína das minhas batalhas por sobrevivências em terras adversas, mulher com a cara do momento, tal qual as minhas hortênsias teimosas que sobreviveram aos vaticínios pessimistas e sobreviveram em interessantes mutações totalmente imprevistas, e se exibiram vitoriosas a cada novo dia conquistado!

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 23/10/2009
Reeditado em 01/11/2009
Código do texto: T1882685
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