OS CAUSOS DO IRENO

Quando o Ireno apanhava o chapéu, se despedia e montava no cavalo desaparecendo pela porteira fora, o Klebi suspirava aliviado; pois cada visita que o Ireno fazia ao Klebi era só enfado, pois este dizia que o visitante cheio das imaginações, passava a maior parte do tempo contando histórias fantasiosas.

O Klebi dizia que não aguentava ouvir os causos contados pelo Ireno – narrados com riqueza de detalhes – era cada mentira cabeluda!

O vizinho contador de causos aproveitava o sábado à tarde ou a manhã de domingo e saía pelas fazendas visitando os moradores e dando definição da vida alheia – assim falava o Klebi.

Certa feita o Ireno contou o causo do “Seu” Zostófe e dizia saber como este ficara rico. Contava que em uma noite de lua minguante, o céu preto como breu e fechado para chuva, o Zostófe saiu de casa e dirigiu-se ao galpão, apanhou um buçal e foi ao piquete buscar um cavalo que montaria na madrugada seguinte quando empreenderia uma longa jornada para Porto Murtinho. Dizia que ia buscar uns burros que havia comprado por lá. Nesse instante viu uma luz muito forte – igual quando se pega fogo num arrozal – um fogaréu que queimava, porém, não consumia o mato ao redor. Zostófe ficou intrigado com o que vira, no entanto, guardou segredo. Não contou nem para a mulher dele.

E o Ireno continuava, dizia saber tudo sobre esse acontecido. E que passados sete dias Zostófe tivera um sonho e fora avisado de que havia sido escolhido para arrancar um enterro que estava escondido nas terras dele desde os tempos da guerra com os paraguaios.

Contava que no tempo da guerra com o Paraguai um fazendeiro rico, possuidor de muito ouro e prata, temendo por seus tesouros, enterrara vasos e jóias de ouro e prata nos fundos de sua casa em sua fazenda. Os paraguaios chegaram armados e dizimaram a família, levaram os cavalos e as vacas de leite, entretanto, o ouro e a prata não foram roubados, pois estavam enterrados nos fundos da propriedade.

Os anos se passaram e quem morava nesse tempo presente nas terras quase paraguaias era o Zostófe que estaria recebendo o enterro.

O Ireno contava que o Zostófe, que hora estava sofrendo de macotena, arrancara o enterro e era assim, agora o homem mais rico e dono da maior parte das fazendas do pantanal.

E o contador de histórias Ireno, ainda erguia as sobrancelhas e arregalava os olhos e advertia que quem arranca um enterro torna-se um sujeito meio cabuloso e esquisito. E que era por isso que o Zostófe passava a maior parte do tempo deitado em seu quarto, no escuro e que não gostava de claridade, não aceitava que acendessem nem mesmo a lamparina de querosene com pavio de estopa.

Pois bem, O Klebi ouviu em silêncio, durante uma chuvosa tarde de domingo, o Ireno contar esse causo e ficou com um dó do Zostófe.

Passou a semana pensando nessa última história do Ireno – é verdade que muitas eram deslavadas mentiras - mas esta recente era intrigante, e pelo menos, para se pensar.

E assim, no próximo domingo da folhinha pendurada na parede, logo madrugadinha, o Klebi encilhou o tordilho mais manso e a égua Catita, mandou a Severina montar, engarupou as gurias e foram visitar o Zostófe.

Era um casarão bem conservado, ainda bonito, cercado de delicadas plantas bem cuidadas, à frente uma frondosa aroeira proporcionava sombra aos cavalos dos vizinhos visitantes.

A mulher do Zostófe recebeu-nos gentilmente, pediu que sentássemos e foi chamar o marido.

Lembro-me desta primeira e última vez que vi a personagem cabulosa dos causos do Ireno. Trazia ataduras nos pés e em uma das mãos. Na mão que não estava envolta em panos percebi que faltavam três dedos. Zostófe era branquinho, triste, falava bem baixinho e trazia uma ferida vermelha e aberta no nariz. Segundo o Ireno, o rico Zostófe tinha macotena e que por isso viera da agitada São Paulo, refugiar-se e descansar nas sossegadas terras pantaneiras, quase paraguaias.

Zostófe usava um belo relógio de pulso que despertou a minha admiração, pois eu nunca havia visto um relógio para se usar no braço. O Ireno falava que ele era muito rico e eu queria saber como eram as pessoas ricas.

Além do relógio não vi outra beleza.

Por anos guardei a imagem desse homem rico que tinha um lindo relógio no braço. Franzino e debilitado – o protagonista das histórias do Ireno – tinha macotena.

Zostófe era muito rico e leproso.

Vicentina Vasques
Enviado por Vicentina Vasques em 02/11/2009
Reeditado em 23/09/2014
Código do texto: T1901232
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.