BURROS TINGIDOS

Uma reportagem engraçada transmitida no dia 08 de outubro em um daqueles jornais da madrugada fez-me refletir e analisar sob outra ótica dois temas muito intrínsecos à natureza do homem: a "Mentira" e o "Ódio". Nessa crônica a mentira será explanada através do ato ou consequência -a farsa em si - e o ódio será exemplificado através da causa de toda a farsa, ou seja o motivo da pintura dos burrinhos.

A reportagem em questão relatou um episódio que ocorreu em Gaza, maior cidade dos territórios palestinos, onde para compensar a falta de duas zebras do zoológico local, dois burros foram pintados com listras pretas e brancas na tentativa de atender aos pedidos das crianças palestinas que nunca viram uma zebra de verdade (e até então nem uma zebra de mentira).

No primeiro momento a matéria jornalística soou cômica, um amigo e eu rimos com a noticia, porém, após algum tempo sob uma outra ótica de análise a mesma noticia mostrou-se duplamente trágica.

Primeiro: devido as questões sócio-politicas que estão inseridas no real motivo da "falta de zebras" em Gaza.

E Segundo: "Até onde vai a capacidade do ser humano de mentir e/ou enganar seus semelhantes?"

Para a falta de zebras em Gaza temos uma cruel explicação caracterizada por conflitos árabe-israelense decorrentes da complicada situação política e geográfica entre esses povos, cuja dominação do grupo fundamentalista islâmico Hamas em Gaza só piora a situação, configurando um estado crônico de bloqueio, onde falta alimento, remédio, água e combustível além da própria liberdade, e também configura uma condição aguda de holocaustro na cidade. O que explica a falta das zebras, segundo o idealizador da farsa, Mohammed Bargouthi, haviam duas zebras legitimas no zoo Marah Land que fazia a alegria da criançada e encantava os adultos, mas morreram injustamente devido a guerra entre Gaza e Israel .

Passado esse momento de reflexão sócio politico cabe-nos outra discussão importante: "a aceitação da mentira", sobretudo nos casos em que farsa intencional tem o poder de distrair, adiar ou amenizar a dor do próximo atribuindo assim à mentira possíveis aspectos relacionados à filantropia (amor à humanidade), o que na minha concepção, em qualquer caso, se assemelharia mais à pilantropia, (falsa filantropia/ pilantra).

No caso da reportagem em questão não há outro adjetivo para o Sr. Mohammed Bargouthi, mais apropriado que pilantra, realmente as falsas zebras divertiram as crianças e encantaram os adultos, mas essas emoções são breves ilusões relacionadas à mentira, ora essa diversão e encantamento significa apenas que a mentira cumpriu exatamente seu papel: o de ludibriar e confundir as pessoas em nossa sociedade.

Não sou tão romântico a ponto de imaginar uma sociedade em que a mentira não existe, na qual a verdade é dita a todo tempo em todas as situações (às vezes uso da mentira com supostos propósitos filantrópicos, e às vezes para conseguir beneficios próprios) assumo que compartilho a idéia de Nietzsche, que considera a mentira como uma necessidade à nossa sobrevivência, para que possamos viver e superar a aspereza da realizada.

Porém, fica muito mais evidente a pilantropia envolvida na farsa em Gaza quando o preço cobrado pelo zoológico para exibir as zebras de araque são 15 dólares por pessoa (cerca de R$ 30). Segundo o dono das zebras falsas a operação para manchar os burros foi realizada com tintura importada da França e custou cerca de 40 mil dólares (cerca de R$ 80 mil).

Não julgo esse cara, tampouco o chamaria de pilantra, caso não houvesse oportunismo financeiro de sua parte...

- Mas meu amigo, quem irá acreditar em sua palavra de pilantra agora?

Marcelo Lopes
Enviado por Marcelo Lopes em 05/11/2009
Reeditado em 05/11/2009
Código do texto: T1905726