UMA TV JURÁSSICA

A data é a primeira quarta-feira do mês de dezembro. O ano, dois mil e quatro. O Círculo dos Poetas reuniu-se como de costume para recitar ou produzir poemas, homenagear grandes nomes da poesia, através da leitura de suas produções ou tecer comentários sobre suas vidas e obras. Após três ou quatro rodadas de poemas, é servido saboroso carreteiro preparado por Antônio Carlos e Birata. Apesar do prazer pelo reencontro, a noite era de expectativa, pois na novela das oito, que começa as nove, o capítulo seria decisivo. Nazaré seria desmascarada! Maria do Carmo revelaria a Isabel, que ela é Lindalva, sua filha raptada.

As poetisas da Casa estavam passando por uma situação peculiar. Ao mesmo tempo em que desejavam permanecer no acolhedor ambiente cultural do Círculo, participando do jantar de confraternização, que prometia estar magnífico, pois o cheiro gostoso dos temperos invadia o recinto, provocando a salivação nos presentes, denunciando estar saboroso, queriam também acompanhar o capítulo inédito da novela Senhora do Destino, pois a dor carregada por Maria do Carmo, sensibilizara por demais a todas. Sem possuírem o dom da ubiqüidade, isto é, estarem em mais de um lugar ao mesmo tempo, vivenciavam uma situação ambígua, sem saberem se ficavam ou se partiam. Finalmente chegaram a um denominador comum: ficariam, desde que pudessem também assistir a novela. Para tanto, Birata esmerava-se para acionar uma antiga televisão, que ocupava um lugar no alto do salão, do Dino Tchê. Para alcançar o aparelho, foi improvisada uma escada com cadeiras do espaço temático. Acompanhado pelos olhares ansiosos das telespectadoras presentes, com apoio de um amigo, Birata tentava colocar a TV Triássica em funcionamento. Mas nada! Ela resistia, passando por grave crise de identidade: desaprendera o seu fazer. A sintonia ficou perdida numa das curvas do tempo. A imagem embaralhou-se em chuviscos, prometendo chuvas e trovoadas. E o som ficou preso no eco de alguma gruta a ser explorada. Surgiu um problema inesperado: se tivesse som, não teria imagem! Se tivesse imagem, não teria som!

As poetisas trocaram idéias aos sussurros e decidiram permanecer no local, com a condição que a Triássica continuasse ligada, retransmitindo apenas imagens, mesmo um tanto fora de foco. De repente, as respeitáveis senhoras foram desafiadas a fazer leitura labial. E fizeram! A medida que as cenas se desenrolavam, ouvia-se a tradução realizada por algumas das presentes.

-“Oh, Isabel falou sou sua filha, para Nazaré,” dizia das Graças.

- Que nada! Ela disse “ você é minha mãe”, afirmava Sônia Batista.

Mas valeu a experiência! Ao retornarem a seus lares, provavelmente, algum familiar atento acompanhou as peripécias do capítulo e relatou os sucessos vivenciados em Senhora do Destino.

Maria Rita
Enviado por Maria Rita em 12/07/2006
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