A MORTE DO MOÇO MODESTO

Estava firme no trabalho, manhãzinha dessas, das poucas de sol e calor que temos tido neste fim de inverno sofrido e rigoroso, quando um “boy” entrou estabanado com a notícia infausta e estarrecedora:-

“- Um cara se mandou lá do alto do Edifício Itália, inda agorinha! Tá lá na calçada, todo esborrachado ...”

Não quis acreditar de imediato, repreendi o garoto por sua atitude inconveniente, entrando de sopetão na minha sala com aquela notícia desagradável logo no início do dia. O moleque se desculpou, balançou a cabeça, mas reafirmou, já de saída:-

“- O senhor não acredita? Então olhe pela janela. Ele ainda está lá ...”

Fiquei assim, assim, os olhos fixos num ponto imaginário da sala, o pensamento solto no ar, tentando encontrar a razão pela qual uma pessoa deserta da vida naquelas circunstâncias:- atirar-se duma altura impressionante:- quarenta e cinco andares! Dezoito andares acima dos nossos escritórios. E num dia tão lindo! ...

Os comentários foram surgindo no decorrer do expediente matutino:- “- Ele brigou com a namorada, foi por isso ...”, “- Deixou um bilhete lá em cima ...”, “- Não disse nada, apenas tirou o relógio, os documentos e pulou a grade ...”, “- O garçom do Terraço Itália ainda tentou agarrá-lo, mas não deu tempo ...”, frases que me chegavam aos ouvidos por aqueles que, curiosos, procuravam se informar do caso.

Meio dia, campainha tocando, a rapaziada correndo em direção ao relógio de ponto, afoita, procurando marcar seus cartões e descer bem depressa para ver o suicida, ainda estatelado na calçada da Avenida Ipiranga (esta nossa Polícia ...), agora coberto por jornais ensangüentados, cercado por cordões de isolamento, pedaços de ossos, manchas de sangue e miolos espalhados por uma área duns oito metros. Verdadeiramente um quadro estarrecedor.

Acerquei-me, como os demais, satisfiz logo minha curiosidade mórbida e retirei-me desolado pra casa, “Jornal dos Sports” debaixo do braço, tentando na leitura esportiva o esquecimento daquela cena grotesca. Só uma coisa não me saía da cabeça:- os sapatos humildes do suicida, pobres e maltratados.

Era a morte do moço modesto! ...

-o-o-o-o-o-

São Paulo, 19/09/68

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 26/11/2009
Código do texto: T1944548
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