Necessidade e Desejo

Necessidade e desejo são duas coisas que na teoria não se confundem, mas na prática...

Tava eu pensando na saudade dos meus filhos, enquanto escutava Il Divo e Andrea Bocelli, e senti uma saudade enorme deles, de meus pais, de minha irmãzinha linda, de meus irmãos, de minha doce Aline, que está viajando pelas Minas Gerais, foi dando um crescendo de pessoas próximas e amadas que eu sentia falta, pois, se todos ainda vivos, estão a, pelo menos, 2.000 km de mim... Desejei voar...

Seria sensacional se nós pudéssemos voar. Mesmo que limitados, por exemplo, assim umas cinco vezes na vida. “Nó, ia sê bão dimais!” diríamos em Minas Gerais. Já pensaram na possibilidade?

Você atinge a maioridade e com ela viria o direito de voar por cinco vezes. Alguém chega pra você na noite de seu aniversário, de terno branco, sapato branco, chapéu branco e uma finíssima bengala... branca.

- Sr. Fulano de tal, o Senhor, a partir da meia noite de hoje poderá, enquanto viver, voar por até cinco vezes. E aí você pergunta:

- Tá, mas quanto tempo eu vou poder vuá?

- O tempo que precisar. Você desejará um destino e conseguirá ir até lá sem se cansar.

- Até no Japão, se eu quiser?

- Sim.

- De uma vez só, assim, sem parar?

- Exato. Aliás, devo lembrar-lhe que se parar no meio do caminho por qualquer motivo, ao reiniciar estará voando pela segunda vez.

- Qué dizê que se eu começá a vuá e quiser ir até ao Japão eu tenho que pegá o rumo e ir direto, sem pará pra nada? Comê, bebê, fazê as necessidade, o Senhor sabe né, “aques” negócio, número um e número dois...

- Isso mesmo! Responde o homem de branco sem qualquer tipo de reação, assim como um mordomo inglês, isento de tudo.

Aí vem a curiosidade do ser humano, e você não pensa duas vezes e vai logo perguntando:

- Se tivé fome, eu sobrevôo uma roça e pego frutas, sem posá, se eu tivé sede eu vô lá nas nuvem e entro no meio delas e tento bebê água nelas, se quisé fazê o número um, é só dexá saí, e se fô o número dois? Meu Deus! Já pensou que tivé imbaxo?

O homem de branco sem qualquer reação tira um papel de sua pasta, branca por sinal, e entrega-me um papel.

Eu pergunto: - Que isso? E ele Responde: - É a confirmação de você foi avisado de tudo sobre os vôos. Assine, por favor, que preciso ir.

- Pra onde cê vai? Pergunto ainda mais curioso.

- Tenho que avisar as outras pessoas que a partir de hoje ganham o direito aos 5 vôos.

- Então cê voa mais que cinco vêis?

- Sim. Sou o mensageiro e por isso preciso voar mais vezes.

- Queria ser um desse e vuá pra tudo quanto é lado...

- Mas não tem necessidade, responde o homem de branco. E continua: Sua vida é diferente e você precisa vivê-la da melhor maneira possível. Voar nem sempre é necessário.

- Eu ia usá pra matá a saudade do meu povo, disse depressa.

- Não poderia. A necessidade de seu vôo seria outra. Você voaria somente para atender aos direitos daqueles que completam a maioridade. Você não teria escolha.

- Ma aí é ruim...

- Depende, meu filho... Pela primeira vez vi o homem de branco demonstrar algum sentimento e senti uma coisa tão boa, tão mansa e perfumada que nem percebi que ele tinha começado a voar... Percebi que seus olhos brilhavam e saindo em seu vôo ainda teve tempo para me dizer:

- Filho, nunca deixe seus desejos serem maiores que sua necessidade. Somente assim você conseguirá ser muito feliz.

E assim ele se foi...