Apenas um ancião de noventa e tantos anos.

Seus passos eram miúdos, arrastados, saltitantes. Parecia um boneco que recebeu corda, mas que a pilha estava fraca. Parecia que ia parar. Na sua mão uma sacolinha, resultado de uma compra qualquer. Um sorriso no rosto, e por onde passava, olhando nos olhos das pessoas, perguntava sem esperar resposta:

-Você tá boa?

Todos respondiam sorrindo: Sim, estamos bem.

Na última invernada, fui levar meu filho na escola e ao voltar, percebi que o velho estava dentro de um riacho, onde todos os esgotos são derramados ali. Ele, com água até os joelhos, tentava fazer um caminho usando tijolos. Tarefa ingrata, pois a força da água era muito grande e quando ele colocava um tijolo a água cobria tudo.

Chamei meu esposo, e pedi que ele fosse até o velho e pedisse que saísse daquele lugar, pois a água era imunda e estava muito forte. A correnteza poderia derrubá-lo. Meu esposo bem que tentou, mas o velho estava irredutível. Foi preciso duas pessoas pegá-lo a força, levando-o pra casa e ali descobrimos que não havia ninguém para cuidar dele.

Ontem, recebi a triste notícia de que aquele velhinho havia morrido. Uma vizinha o descobriu caído no quintal. Ninguém sabia como ele conseguiu pegar uma escada, subiu nela e foi mexer numa lâmpada que não apresentava defeito. Na queda, bateu com a cabeça no chão. Morreu como um cão abandonado.

Fiquei pensando naquele velho que já não tinha ‘voz’. Ninguém prestava atenção. Parecia uma sombra que não incomodava, nem fazia falta. Será que ele chorava, sofria, sentia saudade? O que fez seus filhos não desejar cuidar dele, mas apenas da mãe? Mais de noventa anos, uma história de vida que não conheci. Estive tão ‘ocupada’ com meus problemas, com minhas ocupações que não me permiti parar para conversar com aquele ancião risonho.

Adeus meu velho. Meu desejo é que do outro lado você encontre ouvidos para lhe ouvir, braços para lhe abraçar.

Na hora que estou concluindo esse texto, meu esposo me chama para olhar o enterro que passa aqui em frente. Uma multidão! Pena, que somente após a morte descobrimos que ele tinha uma ‘multidão’ de conhecidos, mas não de amigos.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 27/11/2009
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