A incrível batalha entre o Pinguim e o Tigre-de-Bengala

Eu sou um Pinguim muito bem resolvido, tenho pleno domínio sobre meus sentimentos, bons e maus. Não consigo entender como as pessoas se deixam arrastar por emoções que provocam abalos nas relações familiares, no trabalho e, principalmente, no amor.

Por falar no amor, me veio agora à lembrança, um dos sentimentos mais corrosivos que podem pôr a perder o mais sólido consórcio amoroso: O malfadado ciúme. Já ouvi relatos de amigos, e pessoas estranhas, em torno das mais extravagantes reações conduzidas pelo ciúme. É triste, deprimente mesmo, assistir uma pessoa tomada pela fúria da insegurança íntima... Eu, que sou um carinha muito centrado e autoconfiante, não conseguiria me imaginar caindo na esparrela de fazer “ceninhas” que pudessem vir a arranhar minha imagem...

Bom, mas como todo mundo, bichos e humanos, uma vez na vida, já deu vexame, talvez eu, assim, meio sem querer, já tive uma manifestação que não chego a rotular como ciúme, mas um “genérico” dele. A coisa aconteceu da seguinte forma:

Eu, quando conheci a minha Princesa, passei a frequentar a intimidade do seu palácio. Quando me vi dentro daquele recinto suntuoso, reparei que tudo era sinônimo de requinte, elegância e bom gosto. Contudo, apenas um objeto parecia destoar da harmonia reinante no local. Era a pintura (cafona) da imagem de um tigre-de-bengala. O tal quadro brigava com todo o resto, inclusive comigo. Não gostava daquela fera... Seus olhos me fitavam com uma fúria mal disfarçada. Parece loucura, eu sei, mas os olhos do grande felino me acompanhavam com uma insistência psicopata. Um dia, não mais aguentando aquela “pressão” toda, eu perguntei a princesa o porquê dela conservar aquele monstro pendurado na parede dos seus aposentos, e, para minha total e desagradável surpresa, ela me confidenciou que se tratava de um presente dado por um ex-namorado. Que ele tinha um valor singelo, tão-somente.

Meus amigos, foi aí que eu entendi tudo! O motivo pelo qual eu vivia me sentindo coagido e intimidado pelo olhar cínico, feroz, do sacripanta! Dei um pulo, enfurecido, exigi, enraivecido, que ela retirasse a porcaria do quadro da parede, jogasse aquela obra de um Picasso ridículo e demoníaco no fogo, queimasse, incinerasse, pois eu não toleraria aquela afronta a minha dignidade!

Para a minha infelicidade, a Princesa disse que não faria o que eu estava mandando. Não via razão para tanto radicalismo, pois era apenas um quadro, e que ela amava a mim e não tinha nada a ver o que eu pedia. Não adiantou eu ameaçar, gritar, chorar, alegar que o tigre se comunicava mentalmente comigo com ofensas e deboches. Ela, como sempre, disse que eu não era um pinguim equilibrado, que eu tinha que procurar ajuda, pois ela estava descobrindo que, além de todo corolário de sandices e distúrbios de que eu era pródigo portador, também estava sendo acometido pela esquizofrenia! Colocou-me porta à fora, e disse para eu voltar quando tivesse tomado vergonha no bico!

Magoado, revoltado, resolvi chamar o “tigrão” às falas, num duelo mortal! Era inadmissível para o meu orgulho de “casta” ser preterido por um animal inferior! Eu tinha sido banido do palácio da minha amada enquanto aquele “gato turbinado” se comprazia todo da minha desdita! Resolvi contra-atacar! Numa noite sem luar, eu, pinguim vestido de ninja, pulando muros e me esgueirando pela escuridão, invadi a moradia da Princesa. Fui até o meu rival munido de uma espada para fazer dele picadinho. Quando ergui a minha arma sedenta de vingança e “justiça”, levei um safanão de um brutamontes! As luzes foram acesas depressa. Meio tonto, identifiquei o meu agressor, um soldado do palácio com cara de carrasco mal-amado. Do lado do brucutu estava a minha querida, com uma cara brava. Ela, aos brados, dizia ter adivinhado que eu não me daria por satisfeito, pois era um neurótico, por isso ela tinha mandado colocar o quadro “bonitinho” sob vigilância constante.

Eu podia ouvir os rugidos zombadores do meu inimigo. Era ensurdecedor e humilhante sentir que ele sabia que eu tinha me ferrado! Fui arremessado pela janela...

Apesar de dolorido e acabrunhado, não estava disposto a desistir... Teria que mudar de tática... Fazer-me de bonzinho, de redimido, aparentemente conformado, mas nunca derrotado!

No dia posterior a minha infeliz empreitada noturna, eu apareci na presença da princesa algo modificado, com um imenso buquê para minha dama e, na mente, o plano de fazer da vida do “tigrão” um inferno! Assim eu fiz. Vigiava-o dia e noite... Sentava-me bem de frente a ele, seguia seus olhos, tomava conta de qualquer movimento, mesmo que fosse milimétrico e só perceptível por mim... Eu estava atento, esperto, de prontidão... Eu provaria à Princesa, custasse o que custasse, que aquele safardana tinha o descarado e vil intuito de nos separar, porque ele tinha sido “trabalhado”, pelo seu autor, o ex da minha amada, para agir daquela maneira!

Os dias se passavam e eu ali, firme e forte, aguardando o momento de dar o bote, o flagra certeiro... Deliciava-me com a certeza do desmascaro do “tigrão”. Já não falava com a Princesa, não namorava, não prestava atenção em nada do que ela fazia ou dizia... Como sentinela, não poderia ter minha atenção desviada por nada. Mal comia, mal dormia, não tomava banho... Estava ficando caquético, com olheiras, com ar perturbado... Não adiantavam as súplicas da Princesa pra que eu recobrasse o discernimento, o bom senso... Nada me demovia daquela contemplação interminável, obsessiva. Eu estava convicto de que, em algum momento, o perverso se trairia, e eu deveria estar desperto para o momento glorioso de apanhá-lo em ação. Ela não conseguia ver toda a trama escondida por detrás da atitude passiva do “tigrão”, ali, camuflado de uma inofensiva pintura brega; afinal, ele só se comunicava, mente a mente, comigo. Só eu tinha a dimensão exata dos fatos! Eu sabia que o ataque seria iminente, estava prestes a acontecer.

Então, naquela manhã, depois de uma madrugada inteira de observação acurada, eu acabei sendo vencido pelo sono... Coitado de mim... O infeliz, então, aproveitou-se sordidamente do meu cansaço e atacou impiedoso! Fui atingido com um golpe certeiro e destroçador! A besta se arrojou sobre mim e me levou o nocaute! Nada pude fazer... Fui abatido, derrotado pelo meu mais dissimulado e pior do inimigo.

Acordei sobressaltado, três dias depois, com um caroço gigantesco na minha brilhante cabeça. Á cabeceira do meu leito de morte estava a minha princesa... Estava linda, apesar de chorosa... Compreendi, então, que eu estava prestes a partir para o mundo dos pinguins depenados... Voltei-me para minha linda e quase viúva, Princesa, para dar o derradeiro adeus... Quando a ouvi pedir desculpas... Não entendendo nada, pedi explicações, então ela me disse que não aguentando mais me ver enlouquecendo na frente daquele quadro bobo, ela resolveu me libertar daquele suplício. O que ela fez? Tirou o quadro da parede e deu com ele na minha cabeça, com toda força, pra me fazer despertar, do cochilo e da loucura que tinha se apoderado de mim...

Bom, meus amigos, não foi o “tigrão” que me derrotou, bem sei, mas o quase ciúme... E se não fosse à intervenção, radical, da minha amada, eu teria sucumbido por uma criação malévola, fruto da minha quase insegurança. Hoje, até sinto a falta do “tigrão”, mas, antes ele do que eu... Bom, pra não dizer que não existe mais “bicho” na minha relação com a princesa, eu fiquei com um maciço galo na minha cabeça sagaz, mas não ligo, foi adquirido por uma boa causa...