O Norte de Miranda

Não querendo ser entusiasta. Mas a história que conto não é das mais comuns, daquelas que se vê por todo canto, em toda esquina. Também não com a pretensão de ferir a integridade ou o intelecto de alguns pobres mortais, mas essa menina não merece o descaso. Não, ela não merece passar despercebida. Não se trata de nenhum pedido urgente de salvação, de alma ou de corpo. Pelo contrário, essa pessoa não precisa de salvação. A Miranda é a estrela da manhã, o mistério que faltava, o doce do rio de lágrimas amargas e salgadas. O pecado de sua história é a chave do seu futuro. O momento de sua queda é a estrada para sua perdição. Os bons de coração não têm o que temer, caso estejam preparados para a consagração da verdadeira bondade. Os ironicamente satíricos devem munir-se de boas doses dramáticas para não entrar em desespero. A Miranda não é uma mulher normal. Não sabe o contexto da vida, não pensa no marido nem no tom do batom. Maluquices momentâneas de uma espectadora sem-graça. Estava ela lá, toda prosa e verso, esbaldada em um vento fino e sedoso que passeava delicado pela ponta da saia branquinha e correta. Esperava o ônibus no horário de sempre, enfrentando a contragosto o frescor de seus 20 e tantos anos. Ela não gostava muito de rir. Observava minuciosamente aquela cerimônia de coroação à integridade que testemunhava todos os dias. A tecnologia é que está atrasada. A mente humana é uma retardatária mesmo. Tentam todo santo dia criar uma máquina que faça tudo igual o homem, para que possa substituí-lo. Mal percebem que o robô já foi criado, está presente, está vivo, e é cada um de nós. Ela observava os robôs movimentando-se repetidamente e irritantemente iguais, respeitando automaticamente o espaço dos outros, alguns a óbvio e ululante contragosto. Observava os risos se multiplicarem e os corpos se ajeitarem numa ruína sem sentido exatamente definido ou inconscientemente suportável. Formulou uma teoria: no interior todo mundo parece mais feliz. Talvez por que seja mais alienado do Mundo. Talvez por que não veja a realidade crua e descascada batendo na cara, nos pés e na alma todos os dias.

Beatriz Moraes
Enviado por Beatriz Moraes em 06/12/2009
Reeditado em 19/05/2014
Código do texto: T1963997
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