Nicotina

Já era dia e o homem estava impaciente. Sentado no mesmo banco gelado onde esperava seu ônibus (que estava atrasado), não se conteve.

- Filho da puta! Mas que demora, que chateação! É por isso que esse país não vai pra frente!

A senhora olhou com desdém na direção daquela boca com o perfeito formato de um vaso sanitário. Remexeu-se no assento e soltou um baforado de insatisfação.

- Hoje em dia a gente não pode nem selecionar o que vai que ouvir – resmungou baixinho.

- Como é que é, madame? – gritou uma velha do lado, meio surda e achando que o papo ali era com ela.

- Não foi nada dito pra sua pessoa não! – gritando já impaciente e em tom irritado, encerrou o assunto a mulher.

O homem, a essa altura, já estava dando voltas em torno do banco. Passou um moleque.

- Olha a bala, 1 real! A melhor bala barata do terminal!

- Ei, moleque! Você, vem aqui.

- Faço 2 por 1 real pra você, tio. Tem de morango, uva...

- Não quero bala. Te pago mais se me fizer um favor. Larga essa bala aí, que isso não vai te levar a nada.

- Depende do que eu tiver que fazer. E de quanto você vai me dar. Eu sou pobre mas não sou burro não!

- Olha, primeiro...

- Porque tem gente que acha que precisa estudar e ter os diplomas e falar bonito. Eu não tenho nada disso não, mas eu sou esperto viu? Eu nasci esperto!

- Então deixa eu te explicar o que eu quero, é coisa pouca. Tá vendo esse cigarro aqui? Vai até ali aquela velha no banquete, e vê se consegue comprar um maço pra mim. Entendeu bem? Um maço. Toma aqui o dinheiro.

- E se ela não tiver?

- Você traz de volta pra mim o dinheiro.

- E se ela tiver e não quiser me dar?

- Você faz chantagem. Fala que vai acender o seu e queimar ela com o cigarro.

- E se ela tiver...

- Você pega e volta aqui que eu te faço uma surpresa.

Silêncio se fez por alguns instantes, o guri fitando fixamente a cara do homem com olhar de dúvida misturada no pensamento vivo. O menino então pegou o cigarro, botou na boca e acendeu, com um isqueiro saído sabe-se lá de onde. Tragou e soltou a fumaça com uma expressão travessa seguida de uma risada sarcástica e inocente, daquelas que só uma criança é capaz de dar, e que ecoou no terminal todo. Correu e na sua corrida foi chegando um bando de moleque pra tomar com ele o rumo do fim do dia, mas dessa vez aproximaram-se impulsionados por uma curiosidade a mais, que estava ali exalando poder na mão dele. Talvez o homem não tivesse imaginado que todo o emaranhado terminaria somente num sonoro “Ô, velho, dá um trago aí!”

Beatriz Moraes
Enviado por Beatriz Moraes em 06/12/2009
Reeditado em 19/05/2014
Código do texto: T1964085
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