Um olhar pela janela

Ela estava sentada. De onde estava podia ver através da janela. Ela nunca havia sentido aquilo antes.

Era como se uma idéia estranha tomasse conta de sua mente, seu corpo e sua alma.

Ficou ali, perdida naquele ponto fixo, que ninguém mais via.

Havia tanta pressão, tanta coisa para fazer e todos na verdade, não se preocupavam com ela. Que todos?

Que família?

Era um escritório grande, cheio de mesas. Não havia repartições.

Você pode pensar que era um tumulto aquilo.

Eram muitas mesas. Muitos telefones. Muitas vozes. Muitos compoutadores e muitos teclados.

Tudo era agradável até. De uma forma que ninguém entendia.

Numa época em que todos esqueceram de praticar a comunicação ao vivo, aquele escritório tinha seu ar estranho e aconchegante ao mesmo tempo.

Funcionava.

As pessoas se tocavam. Sorriam. E aprendiam a ler expressões faciais, ao invés de associar dois pontos e parênteses com felicidade.

Ela não pensou tudo em tudo isso naquele momento. Era apenas parte do que ela era. Tudo isso era como sua respiração. Ela não pensava, mas era vital.

O que lhe ocorreu naquele momento foi mais filosófico e ela nem ao mesmo sabia o porque.

Através da janela ela não via nada. Apesar de olhar fixamente.

Seu vizinho de mesa percebeu seu encantamento. A tanto tempo ele queria lhe dizer tantas coisas, que o tempo já não permitia o sentido, e então, se esquecera de como a achara especial desde o primeiro dia que começou a trabalhar ali. E nunca mais esqueceu o perfume do seu lindo cabelo amarelo.

Curioso, ele encarou a janela. A paisagem após a janela. Mas não viu nada.

E então, esqueceu do foco e ficou ali. Contemplando algo que tinham em comum.

Logo, todos do escritório aderiram a causa. A fofoca se espalhou. E todos olhavam para aquele ponto, tentando entender.

Não houve precisão temporal. Ela apenas pensou em um monte de coisa, que no fim das contas, nem eram tantas coisas assim, o tempo passou, e não foi tanto tempo assim. Apenas se deu conta que há muito, muito, muito tempo não acontecia nada em sua vida.

Há muitos anos não havia motivos para chorar, ou mesmo para esplodir de felicidade. Tudo estava ok.

E aquilo dava medo nela.

Porque era como o felino, esperando para pular no pescoço da caça e fazê-la sangrar até a morte.

Estava tudo quieto demais.

So se ouvia um telefone chamando ao longe. Insistentemente.

Em seguida, vários toques de chamadas. Pareciam um coro desesperado chamando pelo mundo real.