Minha cidadezinha...

É bom estar aqui na capital. Esse caipira fica um tanto abobado com tanto concreto, tanto carro importado, tantas mercadorias expostas e tanta gente lotando os coletivos.

Não tem como não achar bom estar em um shopping center. A temperatura é a ideal, as mercadorias bem expostas, tem parquinho para as crianças e várias opções de lugares onde o chopp é gelado e as comidas gostosas. É quase um paraíso.

Na cidade grande você vê as pessoas indo de um lado para o outro, parece que estão ganhando muito dinheiro. Dá até vontade de ficar e tentar ver se acha algo melhor.

Na minha cidadezinha é diferente, o único semáforo desperta o ódio dos motoristas, já que quem fica parado no sinal vermelho, às vezes não vê um único carro cruzar sua frente, e fica ali, contemplando uma via preferencial vazia.

As vendedoras lixam as unhas nos balcões das lojas, os velhinhos jogam bisca e dominó na praça central.

O lago é circundado por um calçadão de três quilômetros, onde você pode fazer caminhada, mas é melhor você tomar cuidado, e ficar esperto, pois a garça pode passar voando e fazer cocô na sua cabeça.

Às vezes passa alguém montado a cavalo. Por vezes também passa uma charrete com um infeliz chicoteando um velho equino.

A cidade é tão plana que tem mais bicicletas do que habitantes, o censo não mente. Mas é sempre bom carregar o cadeado e mantê-la trancada, senão alguém pode pegar emprestada sem sua permissão. E também dirigir com olho vivo, pois os ciclistas daqui só sabem andar na contramão, dizem que é melhor, pois podem ver os carros vindo em sua direção e desviarem (vejam se pode).

Deve ter muita gente desempregada ou de férias, pois mesmo com chuva, a margem do lago fica lotada de pescadores com a missão de defender a "mistura".

Na minha cidadezinha a poeira é vermelha, como sangue, oriunda de uma terra em que se plantando tudo dá. Pena que as lavouras de cana varreram as outras culturas. Antes plantava-se algodão, milho, sorgo, feijão, arroz, soja, amendoim. Hoje vigora um mar verde, um canavial de ilusões. Os usineiros chegam e compram tudo, compram a terra, compram a memória e a história das pessoas; passam a demolir, derrubando as casas onde as parteiras cortaram tantos umbigos, ganhando espaço para plantar mais cana, gerar mais álcool para que a frota que congestiona as capitais não pare nunca. Mas geram emprego, e isso é o progresso, é tempo de avanço.

Na minha cidadezinha o ar ainda é puro, e você vive tanto que acaba não tendo tempo para ganhar dinheiro, vive a sonhar com muito, mas a se contentar com pouco.

Vamos ver até onde isso vai...

BORGHA
Enviado por BORGHA em 30/12/2009
Reeditado em 08/01/2010
Código do texto: T2002837
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