O velho amigo

Do dia para a noite resolvi trocar o meu velho e inseparável amigo, este herdado de meu falecido avô, lá no ano de 1995, e não é qualquer amigo, é um legítimo ortopédico com uma leve camada, de no máximo, uns cinco centímetros de espuma de cada lado, depois de tanto tempo vamos considerar que ainda tenha resistido uns dois, vou contar um pouco sobre a história dele, ele foi adquirido com a finalidade de minimizar as constantes dores na região lombar que insistiam em incomodar o meu avô, porém não pode ser utilizado por muito tempo devido ao já comentado seu falecimento.

Como pobre geralmente não tem muita opção fui o escolhido a ser o novo proprietário do “piso almofadado”, apelidado assim por ser tão duro quanto o próprio chão, uma coisa lhe digo bem melhor do que estava sendo usado por mim anteriormente. Confesso que nos primeiros quinze dias foi terrível a adaptação, não conseguia encontrar a melhor maneira de me acomodar sobre ele, para vocês terem uma ideia até tentei improvisar outra camada de espuma e não adiantou nada, relutei de todas as formas e o “jeito” era realmente esticar o esqueleto sobre ele.

Seis meses depois até propuseram uma troca comigo, por outro mais macio, mas dele ninguém me separava mais. Com o tempo o meu companheiro das “madrugas” foi testemunhado as minhas incansáveis noites sem dormir, das minhas agonias nas vésperas de provas, dos meus pensamentos longínquos, das dores do meu coração a cada decepção, as expectativas de cada ano novo e claro de algumas noites mais interessantes que neste momento não vem ao caso.

Quando percebi, o colchão já estava comigo há mais de catorze anos, me acompanhando desde o fim da infância, a entrada e saída da adolescência e da minha vida adulta, poxa vida metade da minha vida foi sobre ele, incrível! O engraçado era que quando precisava dormir por aí, rapidamente me vinha a sua imagem e a falta dele naquele instante, tentando dormir “afundado” dentro de outros colchões. A fidelidade foi tanta que nesse período ninguém se “atreveu” a dormir nele (por que será né?), depois do meu avô fui o último a me apropriar dele.

Ao resolver trocá-lo, pensei seriamente se estava fazendo o correto, conseguiria após algum tempo deitar sobre outro colchão? E se me viesse umas dores por causa da “maciez” do novo companheiro? Por impulso comprei um alternativo, um COLCHÃO DE AR, simples e prático, por algum motivo não funcionasse era esvaziá-lo e encostá-lo num canto do guarda-roupa, deixei para realizar a substituição na virada do ano, assim começaria 2010 esticando o meu esqueleto sobre o “tal” colchão de ar.

Com todos os cuidados necessários retirei o meu velho companheiro (uma dorzinha no coração) e o coloquei atrás da cabeceira (e o pior que ainda me sugeriram que o jogasse fora, vai dar palpite pra quem tem tempo, ora), com o novo cheio pus sobre o estrado forrado com uma manta (frescura para não furar) e fiquei encarando-o como quisesse saber da sua petulância. Antes de deitar-me fiquei uns quinze minutos observando-o, desconfiado da sua eficácia, juro que resisti em me acomodar sobre o novo colchão (e o medo de não aguentar e estourar, heim?) fui me ajeitando aos poucos e o novo colchão foi me envolvendo devagarinho, como um bom abraço de velhos amigos, naquela noite não dormi, mesmo sendo bem recebido por ele, o outro detrás da cabeceira atentamente olhava a movimentação e eu podia sentir que ele torcia para que o novo colchão realmente pudesse me agradar.

Aos nove dias de Janeiro estou tentando me readaptar ao novo companheiro, que até este instante está sendo caloroso. Entre nós, eu acredito que o outro está orientando o seu irmão-colchão, vejo isto pela amizade que fizeram rapidamente, sem crises de ciúmes ou soberba, como não pretendo me desfazer do velho, acho que eles terão muito anos para colocarem a conversa em dia.

Boa noite!

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 09/01/2010
Código do texto: T2019222
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