BELÉM DO PARÁ

Nossa Senhora de Belém do Grão Pará, fundada em 1615, a sala de visitas da Amazônia, uma cidade de ruas estreitas, calçadões de pedra, velhas igrejas e mangueiras centenárias.

O “Ver-O-Peso”, sua gente humilde, a Baía de Guajará, seu porto e seus navios, o Forte do Castelo e seus canhões antigos, apontados em direção à imensa baía, são alguns dos pontos pitorescos dessa cidade engraçada.

Como se não bastasse a presença da mata amazônica, observando silenciosa da outra margem do Rio Guamá, as ruas e praças de Belém são enfeitadas de mangueiras, as quais, alem da sombra benfazeja que suaviza o forte calor dominante, proporcionam deliciosos frutos à população durante todo o ano.

E é de se ver, no meio da chuva que cai de hora em hora, a algazarra da molecada à cata das mangas maduras que despencam das árvores com o vento. Enchem os cestos, sacolas de mangas, e comem-nas com farinha grossa, prato forte que os faz esquecer da fome. A queda das mangas tem, pois, um sentido bíblico (o episódio do maná no deserto), a natureza oferecendo alimento a criaturas que, muita vez, não comem o pão nosso de cada dia em suas casas.

A par do alegre espetáculo da gurizada disputando os frutos que caem, só de calções e ensopados de chuva, encontramos esta verdade nua:- é também o dilema da fome! Passando de ônibus e vendo a ruidosa alegria dos garotos, correndo em busca de suas mangas, relembro com saudade os meus tempos de criança também, apanhando mangas no Cedro querido, sem chuva e de estilingue em punho. Fora de saque, eu era bom no bodoque.

Em Belém nasceu meu caçula Daniel, um caboclo forte, bonito e inteligente, o mais claro da família, apesar da morenice. Um paraoara!

Belém, a capital do sorvete, cada um mais gostoso do que o outro, sabores diversos mercê da enorme variedade de frutas nativas:- cupuaçu, graviola, uxi, taperebá, murici, bacuri, castanha do Pará, araçá, sapoti, tapioca, mangaba e o famoso açaí. Belém, a cidade morena das mangueiras, metrópole da Amazônia, uma cidade engraçada, com seus trezentos e cinqüenta e tantos anos de idade, seus costumes, seu tacacá, seu açaí e sua gente. Gente boa, gente muito boa ... A gente e o pato, o tucupi, a pinga azuladinha de Abaetetuba, os igarapés, o caranguejo, o peixe, a maniçoba, o tacacá, a pupunha, a tartarugada, o vatapá e o açaí, sempre!

Belém de ar quente e abafado, das chuvas diárias, das redes sacudindo por todos os cômodos das casas, lembra-me a “Barsa”, volume 10, página 249, citando a quadrinha do bispo, por Leandro de Tocantins em seu “AMAZONIA, NATUREZA, HOMEM E TEMPO:- “Vida do Pará, vida de descanso/ comer de arremesso/ dormir de balanço ...”

O por do sol visto da Baía de Guajará, no Forte do Castelo, sob a aragem tranqüila no Restaurante do Circulo Militar, a música de “FM”, a delicadeza e solicitude dos garçons, a mansidão do ambiente, os barcos singrando docemente as águas turvas do Rio Guamá, tudo isso me enche o peito duma saudade boa, que vai machucando a gente devagarzinho.

Os domingos alegres à beira das piscinas no Coqueiro, em Águas Lindas, em Neópolis, no Lago Azul, os passeios à Ilha do Mosqueiro, com seu peixe bom de água e sal, a Praia do Farol, do Chapéu Virado, Salinas e suas fontes de água mineral, as estradas planas convidando à velocidade, os banhos de igarapés, os rios, as pontes, a mata, a natureza, enfim, pujante, verde, majestosa. A Amazônia, com toda a sua beleza agressiva, toda a sua força interior, todo o seu potencial, todo o seu enigma, toda a sua presença. É o Pará é Belém, é a humildade do seu povo amigo e hospitaleiro, é a sua gente simples e de hábitos mansos.

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Na “Britânnica” as coisas iam bem, bem até demais. A Filial já se destacara, mercê de um trabalho de equipe bem planejado, tudo funcionando bonitinho. O pessoal treinado e motivado, as reuniões freqüentes, os concursos se sucedendo, os resultados aparecendo, os prêmios sendo conquistados, tudo isso me deixava muito feliz e com aquela sensação do dever cumprido.

Mas eu ainda não estava satisfeito. Queria mais. E Belém não poderia me oferecer, a Filial era pequena, as perspectivas de crescimento não existiam, a Matriz não se dispunha a investir na região. Era o velho problema:- as empresas do sul vêem o norte e o nordeste sempre sob esse ângulo, o da exploração do seu mercado de maneira eventual, sazonal, não sistemática, não definitiva. Aproveitam as fases do seu negócio, não pensam em criar raízes, em investir. Não pensavam em abrir escritórios de vendas ali, somente administração. Os vendedores vinham do Rio, de São Paulo, Minas, Porto Alegre, Bahia, fazendo turismo e ao mesmo tempo faturando. A filial, o corpo de funcionários, os colaboradores efetivos, tudo é provisório, nada é visto como permanente. Só querem explorar o lucro fácil, imediato, de acordo com os ciclos regionais.

Fui ficando saturado. Ainda bem que chegou o convite para assumir a Filial do Recife, em Pernambuco. Entusiasmei-me. E me despedi do Pará com a crônica que transcrevo a seguir:-

DESPEDIDA

Utilizo hoje este espaço para escrever – quem sabe?, pela ultima vez sobre Belém do Pará, a Cidade Morena das Mangueiras.

Fá-lo-ei para me despedir dos amigos e colegas funcionários da firma, em cuja companhia tive o privilegio de conviver por quinze meses, labutando ombro a ombro pela causa “britânnica” nestas plagas. E, sinceramente, experimento a gostosa sensação do dever cumprido.

É que estou de partida para o Recife, a Veneza Brasileira, a Capital do Nordeste, outra bela cidade deste nosso imenso Brasil, cuja gente e costumes, por certo, também irão me cativar. A serviço da querida Britânnica, parto assim para nova experiência, para nova missão, para um conhecimento pessoal dos nossos irmãos da decantada terra mauriciana.

Levo, como sempre, a certeza inabalável de que minha carreira na organização será enriquecida por mais essa experiência, por mais esse contacto com os irmãos brasileiros, agora os do Nordeste, após vivê-lo com os do Sul, do Norte e Sudeste. Agora, será a vez do frevo, do sarapatel, da moqueca e da galinha de cabidela.

E levo também o muito que já aprendi nestas minhas andanças ciganas, a vontade férrea de continuar pelejando e ver nossa organização crescendo, para transmitir aos colegas de Pernambuco.

Aqui, pois, neste canto de página, deixo os meus melhores agradecimentos à gente paraoara, que soube compreender nossa mensagem e se dedicar inteiramente à nossa causa, dentro daquele seu espírito de humildade e simplicidade.

Do Pará, ainda, levo a maior, a mais sublime, a mais doce lembrança, aquela que me há de acompanhar pelo resto da minha vida:- o meu filhote Daniel, aqui nascido e iniciado nas peraltices naturais de todo pimpolho, ele que é o caçula e, por vontade de Deus, o último rebento da família. Obrigado, Pará, obrigado, Belém! ...

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Fortaleza, 05/1985

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 15/01/2010
Código do texto: T2030661
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