Vocação para herói

Descobri que não tenho nenhuma vocação para herói e só descobri isso quando resolvi fazer uma boa ação. Já eram uma dez horas, e nada indicava que não seria um bom final de noite, estava no ponto há quase uma hora e a condução que me levaria de volta para o lar mais uma vez não cumpria com a sua pontualidade, para “melhorar” a situação, o corpo dava a impressão que tinha passado por um processador que separa o bagaço do suco (igual o Juicer Walita), a barriga reclamando do seu vazio, os olhos loucos para repousarem, na cabeça apenas a imagem de um belo banho e uma bela cama.

No asfalto uma fina camada da famosa garoa paulistana, junto comigo mais dois companheiros de ônibus e um casal de evangélicos com os seus dois filhos, tudo parecia normal (parecia), a cachorrada aos montes vagavam a esmo pela avenida, e foi a partir desse momento que tudo começou a virar um “chapéu véio”, de algum lugar do além apareceu um senhor que ao vir se aproximando foi imediatamente abordado pela cachorrada que latia e avançava ferozmente contra ele.

Vendo a dificuldade do senhor em desvencilhar-se da matilha, e sem nenhuma reação vinda de ninguém próximo, por instinto peguei um pedaço de entulho e... o cachorro desmaiado na calçada com um ponto de sangue na cabeça denunciava o que já tinha descrito na primeira linha, os outros, assustados, sumiram para onde os seus focinhos apontaram. Logo pensei: – Que merda! – O que poderia ter se tornado um ato de boa ação, acabou sendo repudiado por todas as testemunhas da cena.

Bem que tentei explicar, porém diante do fato nada era mais evidente do que o exagero na força utilizada no arremesso daquela pedra e eu mal sabia que tinha tamanha pontaria. O engraçado que nem o “velho” agradeceu de lhe ter salvado de algumas mordidas, os colegas riam, o casal de evangélicos protegiam as suas crianças como se eu fosse mordê-los e algumas pessoas, não me perguntem da onde, apareceram para ver o acontecido. Naquele instante, ciente do “forféu” que formara após a “maledeta” pedra ter saído da minha mão, continuei aguardando o bendito ônibus que justamente nesse dia cismava em não querer vir.

Já em casa contando o ocorrido, na esperança de pelo menos uma pessoa reconhecer o ato heróico, mais uma vez fui alvo de críticas:

- Precisava ter machucado o cachorro?

Bom, fui dormir né! Então entendi que realmente não tinha a menor possibilidade, ou seja, vocação alguma para ser herói.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 16/01/2010
Código do texto: T2032240
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