O CONSERTO DO FORDECO

- Já está de férias? Disse meu avô, entrando pela porta da cozinha e se dirigindo à sala de jantar com a mão direita estendida para me cumprimentar. Antigamente éramos mais tímidos e não existia isto de muito abraçar, beijar, essas coisas mais modernas e mais gostosas, mas era assim o procedimento.

Não, não estava. Aproveitei uma oportunidade de uma carona e fui até a roça. Gostava de ir lá, mas era muito mais difícil naquela época.

Logo veio o café feito na hora e não faltaram as perguntas de sempre, a respeito do estudo, das notas, da saúde. Não ficou muito tempo e me chamou para ir com ele ver alguma coisa fora da casa. Pegou uma chave e caminhamos em direção à garagem que ficava ao lado. Retirou o fordeco, levantou a tampa lateral do capô e me pediu que olhasse o dínamo, a cebola, como também era conhecido. Havia quebrado o suporte das escovas e não estava carregando a bateria a contento e me perguntou se nós faríamos um igual. Este “nós” aí significava “eu”. Não que ele não tivesse capacidade e experiência, mas era tremendamente ansioso, nervoso, queria fazer as coisas todas rápidas e sabia que aquele trabalho seria para uma pessoa mais calma e que também soubesse manejar bem as ferramentas.

Mesmo sem olhar com cuidado, eu disse que sim. Para vovô eu tentaria qualquer coisa. Ele nunca me negou nada, nem as ferramentas para as quais ele tinha mais ciúmes do que pelas mulheres dos outros, como costumava dizer, brincando. Só ficava uma arara quando não as encontrava nos mesmos lugares onde deixou.

Voltamos para dentro da casa. Subiu uma escadinha de uns três degraus e se encaminhou para um quartinho que existia depois do seu quarto principal. Voltou com um embrulho nas mãos e, quase rindo, disse que já havia comprado todo o material porque tinha certeza de que nós faríamos o serviço. Ali estavam um pedaço de fibra, material isolante, muito duro e quebradiço, rebites de alumínio, brocas e até um martelinho com uma extremidade chata e a outra arredondada, cabo de guarabu feito com enxó. Ele mesmo o fizera porque os que possuía eram muito pesados para a tarefa. Tenho-o ainda até hoje. É meu!

Quando cheguei de férias conversamos um pouco e ele já foi perguntando se começaríamos pela manhã. Sim! Começaríamos, mas sob algumas condições: não ter prazo para terminar e se ele ficasse nervoso, eu pararia na hora. Concordou com tudo.

A peça era um anel de fibra de uns cinco milímetros de espessura por uns cinco centímetros de largura. Depois de cortado esse anel, tínhamos que fazer um montão de furos para fixar os suportes das escovas, em número de três, sendo que uma exigia um rasgo por onde ela poderia deslocá-la para fazer o ajuste da amperagem, dizia ele.

Com todos aqueles cortes, furos, rasgos e já pela própria qualidade do material, ela se tornava facilmente sujeita a quebra e babau! Serviço jogado fora! Todo o cuidado seria pouco.

Começamos. Serra, corta com formão, abrem-se furos com máquina de furar manual, botam-se rebites, rebate, às vezes um contratempo qualquer e lá vinha:

- Raio dos infernos...

Eu já soltava qualquer coisa que estava segurando. Caia tudo pelo chão de barro da oficina. Ele entendia a mensagem. Parava, tirava um cigarro e ia para um canto qualquer fumar e ensaiar uns assobios, coisa que absolutamente ele não sabia fazer. Daí a pouco tudo calmo. Recomeçávamos.

E assim foi indo. Não me recordo por quanto tempo ficamos fazendo o trabalho, mas me lembro que ficou pronto no final de uma tarde, quase já de noite. Vovô queria porque queria colocar no lugar, mas brequei. Já estava meio escuro e íamos quebrar aquilo que tanto trabalho dera. Então ele ficou com a placa na mão olhando, olhando, virava pra cá, virava pra lá, parecia uma criança com o mais almejado dos brinquedos. Não deve ter dormido bem.

Dia seguinte. Normalmente acordava com o raiar do dia e não me chamava, mas naquela manhã não teve perdão. Acho que nem a Nadir ainda havia feito o café, já estava ele batendo na porta do meu quarto. Na verdade eu também estava doido para ver se a coisa funcionava de verdade.

O fordeco já estava no terreiro, fora da garagem. Tampa do capô aberta. Começamos. Dali a pouco, a placa já estava fixada nos seus suportes e iniciamos a ligação das escovas. Sem maiores complicações. Final. Entrou no carro e ligou o motor.

- Ih! Rapaz! Tá carregando quase trinta. Não pode. Tá demais e vai queimar a fiação toda!

- Ah! Meu Deus! Vamos ter de fazer tudo de novo? Não aguento!

- Nada. É só regular a terceira escova dentro daquele rasgo!

Apanhou uma chave de fenda, afrouxou o parafuso e colocou aleatoriamente a peça em outro lugar. Ligou de novo o carro. Começou a rir alto. Saiu de lá muito feliz. O troço estava uma beleza. Me deu um abraço. Puxou o maço de cigarros, tirou um para si e outro para mim.

- Sei que você fuma. De hoje em diante pode fumar na minha presença. Toma!

E encostou o seu cigarro já aceso no meu. Não precisou dizer, mas eu orgulhosamente entendi que a partir daquele momento era considerado homem como ele. Entrou no lugar do motorista, eu do outro e fomos dar uma voltinha. De vez em quando olhava o amperímetro no painel, me dava um leve tapa no ombro, passava a mão pelo cabelo ralo e ria a toda!

- Tá pedra noventa, rapaz!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 19/01/2010
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