Jardineiro de dilemas

Hermana Duda, ou Irmã Dúvida. Este é o título de uma canção do uruguaio Jorge Drexler, autor de mais uma letra que considero fantástica e cujos trechos aqui reproduzo – em português, para que nenhuma dúvida reste:

“Não tenho a quem rezar pedindo luz,

Ando tateando o espaço às cegas.

Não me interpretem mal, não estou me queixando,

Sou jardineiro de meus dilemas...”

E assim somos todos nós, os que cultivamos nossos dilemas cotidianos – sejam eles profundos ou superficiais, altas árvores ou arbustos rasteiros, ervas daninhas ou flores delicadas. A todo instante, sem descanso, nos deparamos com dúvidas acerca de nossas atitudes ou a falta delas... e jamais poderemos saber se a ação, a reação ou inação foi a melhor escolha.

“Irmã dúvida,

Passarão os anos,

Mudarão as modas,

Virão outras guerras,

Perderão os mesmos,

E tomara que você

Continue me levando junto...”

Mas a dúvida é mesmo nossa irmã. Sem ela, nossas atitudes seriam impensadas: impulsivas, levadas por uma pretensa e questionável razão, ou pela irracionalidade. É bom que ela nos leve a tiracolo. A dúvida é um abrigo, um porto; nada seguro, é fato, mas é onde e quando temos a chance de refletir e ponderar. Ainda que um dos lados – a razão ou a emoção – se sobreponha, é na dúvida que nos questionamos e exercitamos nossa capacidade de decidir.

Porém às vezes nos cansamos de incertezas... às vezes uma dúvida cruel não é força de expressão. É quando queremos retornar ao colo materno, por sabermos que lá não precisávamos decidir ou escolher nada: as dúvidas não existiam porque eram solucionadas muito antes de existirem. Os jardineiros arrancavam os dilemas logo que brotavam, e nos entregavam um gramado limpo, um tapete verde digno dos mais perfeitos jardins ingleses.

Não tínhamos escolhas, mas não tínhamos dúvidas. Ou: não tínhamos dúvidas, mas também não tínhamos escolhas... qual das duas construções você prefere?

“...Porém esta noite, Irmã Dúvida,

Irmã Dúvida, me dê uma trégua...”